13 agosto, 2010

Jose Niza

Por: José Niza

Há outra crise por dentro e por cima desta crise. Uma crise mais grave, mais injusta, mais nociva e mais profunda. Uma crise que não é de euros, mas de valores. Uma crise que não é de dólares, mas de princípios.

Os responsáveis políticos e a generalidade dos cidadãos aceitam passivamente – e às vezes até premeiam – a ostentação das injustiças e as agressões aos mais elementares princípios da decência.

Dou-vos três exemplos, entre mil.

  1. Comecemos pelos bancos e com os números do primeiro semestre deste ano.

Três milhões de euros por dia foi quanto lucraram o BCP, o BPI e o Banco Espírito Santo.

Em relação ao ano transacto, o crescimento dos lucros foi de 62 milhões de euros. Isto é, mais 14 %.

Mas será que tendo maiores lucros, estes bancos também pagaram mais impostos? Para qualquer modesto cidadão assim seria: quanto mais se ganha, mais o IRS aperta. Mas, para a banca, não.

É que, enquanto que em 2009, com menos lucros, esses três bancos pagaram 109 milhões de impostos, este ano – com a crise a doer para toda a gente excepto para eles – o valor do imposto entregue às finanças foi muito inferior: os lucros subiram 14 % e o imposto desceu 36 % !

Enquanto que qualquer uma das centenas de milhar de empresas que existem em Portugal paga 25% de IRC, os bancos pagaram 4 %. Repito: quatro por cento! É pornografia "hard core".

Percebe-se assim e agora, a razão pela qual os bancos citados passaram com distinção no tão dramatizado exame do STRESS. É justo, eles merecem.

Stressados mesmo estão os pobres dos seus clientes e depositantes. Esses é que levam diariamente com o stress em cima.

Primeira moral da história: quanto mais se rouba, mais prémios se recebem.

Segunda moral da história: o governo manda no País, e os bancos mandam no governo.

  1. Se o crime ecológico e ambiental que a ganância da BP cometeu no mar, na costa, e nas praias dos Estados Unidos da América tivesse ocorrido em Portugal – ou na costa de um qualquer pequeno e pobre país africano – estou convicto de que a BP ainda não teria pago um cêntimo de indemnização a quem quer que fosse. O facto de lhe ter calhado em sorte um país como os Estados Unidos, e um presidente como Obama, foi o chamado "azar dos Távoras".

Como consequência do crime cometido e das suas responsabilidades nele, o presidente da BP foi obviamente demitido. Os prejuízos que causou rondam os 16 mil milhões de euros que a BP vai ter de pagar.

Mas, como prémio da sua criminosa incompetência, o ex-presidente, como bónus pelos excelentes serviços prestados, vai receber uma indemnização multimilionária. Tão gigantesca que, ao pé deste senhor, o eng. António Mexia da EDP – que recebeu de bónus 3.1 milhões de euros (620.000 contos, isto é, 1.700 contos por dia) – é um mísero pedinte.

É a estas coisas que os neo-liberais, como Pedro Passos Coelho, chamam "o funcionamento do mercado".

E "os mercados" funcionam tão bem que um despedimento por justa causa até rendeu ao pobre do trabalhador despedido umas escassas dezenas de milhões de compensação.

O curioso é que os dramáticos números do desemprego nos Estados Unidos da América também incluem desempregados como este!

  1. Com a ajuda de Durão Barroso e de Manuela Ferreira Leite, o governo de então transformou o sr. Américo Amorim no homem mais rico de Portugal e num dos mais ricos do mundo. O multimilionário da GALP – empresa que continua a viver sob a protecção do governo, ainda mais eficaz  que a protecção divina – não tem culpa de ser tão rico. Não fora ele, seria outro qualquer. Aliás, o homem não fez mal a ninguém: limitou-se a comprar acções que o governo PSD lhe vendeu ao preço da chuva e que hoje valem milhões de milhões. Num mundo financeiro em que tanto se fala de "comissões", seria de justiça que o PSD recebesse uma lauta e merecida fatia do dolo, isto é, do bolo.

Se um jovem "motard" se "esquecer" de pagar uma dúzia de litros de gasolina numa bomba da GALP, vai preso. Mas, quando a GALP subtrai a esse jovem metade do valor da gasolina, o seu presidente é condecorado no 10 de Junho.

Nos primeiros seis meses deste ano o petróleo desceu 4 %. Durante este mesmo período o gasóleo subiu 12 % e a gasolina 8 %!

Quando há dois anos o petróleo chegou aos 147 dólares, a gasolina subiu aos trezentos escudos (1,5 euros). Hoje o petróleo custa menos de metade – 74 dólares – e a gasolina é vendida a 1.4 euros (duzentos e oitenta escudos).

Como dizia o Guterres, "é só fazer as contas".

E não haverá neste governo alguém que tenha uma calculadora? (O Ribatejo)

Sem comentários: