18 junho, 2011

Justiça a que temos direito - continuação


"A notícia de que candidatos a magistrados foram apanhados a copiar num teste do Centro de Estudos Judiciários e que a turma foi corrida a 10 valores causou já várias reacções indignadas. Desde logo, do bastonário dos Advogados, um profissional da indignação que às vezes até tem razão, do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e até do Conselho Superior de Magistratura. É bom que haja, sobretudo no seio do "sistema judicial", quem se indigne com coisas destas; precisamos de evidências de que o corporativismo não sequestrou o Estado de Direito e que os magistrados estão dispostos a avaliar-se uns aos outros pelo menos com a mesma severidade com que são supostos julgar os erros do comum dos mortais.
A reacção do Sindicato, porém, corta cerces tais ilusões. Responsabilizando "o governo em funções" pelo que apelida de "descredibilização do actual modelo de formação, muito conveniente a algumas entidades", conclui que o caso, "injustificadamente, mancha a honra de todos, prejudica os melhores, e premeia os casos, que constituem excepção, de prevaricadores". Ou seja: estava tudo bem com a formação de magistrados, e, claro, com os magistrados em geral, até ter chegado este terrível Governo (que, valha-nos deus, está de saída).
Assim se explica que no que respeita a certificação de mérito os juízes e procuradores portugueses sejam todos de excelência, e ninguém se recorde, assim de repente, de um magistrado castigado em sede de processo disciplinar - a não ser Lopes da Mota, claro, o malvado que "pressionou" os colegas. Desagradável é que tanta gente, de repente ou com vagar, se lembre de tantos casos em que magistrados incumpriram as suas obrigações. Um exemplo? O de Aida dos Santos, cuja morte, em Novembro de 1995, na Cruz Vermelha, originou um processo de homicídio por negligência do qual os arguidos, dois médicos, foram absolvidos em Junho de 2003. Em Outubro de 2004, o Tribunal da Relação, em resposta a um recurso dos filhos da morta, anulava a sentença, considerando que esta não estava fundamentada - ou seja, estava mal feita - e ordenava a sua reformulação. A juíza responsável, por acaso, fora entretanto promovida, nem mais nem menos que para o Tribunal da Relação, onde se apreciam sentenças e acórdãos alheios. Quiçá pela exigência das novas funções, em Maio de 2007 ainda não tinha tido vagar para acatar a decisão dos seus colegas desembargadores. Mas, em 48 horas, arranjou-o, após o DN inquirir o Conselho Superior de Magistratura sobre o escandaloso atraso. A nova sentença suscitaria novo recurso para a Relação, que respondeu, em Março de 2008, informando que o processo prescrevera em 2006.
Casos como este são excepcionais? Acreditemos que sim. Mas para tal não podem ser tratados como se fossem a norma. E um copianço num teste não pode ter mais consequências e suscitar mais discursos indignados que a denegação culposa da justiça. " (Fernanda Cancio) - DN

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