14 julho, 2015

Grécia

O problema da Grécia não é só uma tragédia. É uma mentira.

(John Pilger, in Global Research, Centre for Research on Globalization, 13/07/2015)

(Nota: Este texto será polémico para muitos que o lerão, mas pode, de alguma forma ajudar a perceber o percurso que o Governo grego tem vindo a seguir, até ao momento, desde que foi eleito, e a elucidar algumas das contradições que tal percurso tem evidenciado. É que pode não ser só a pressão e a chantagem da UE a explicar as contradições. Algumas chaves explicativas são aqui avançadas.  De notar que o texto, não incorpora ainda o último acordo fechado pela Grécia com a UE, mas os termos de tal  acordo só reforçam algumas das ideias apresentadas. Tradução do texto, por  Estátua de Sal).


Uma traição histórica foi consumada na Grécia. Ignorando o mandato do eleitorado grego, o governo do Syriza  ignorou voluntariamente a avalanche do voto no “não” que ocorreu na semana passada,  e secretamente deu o seu aval a uma série de medidas repressivas e empobrecedoras, aceitando um resgate que representa um sinistro controlo estrangeiro e, ao mesmo tempo, um aviso para o mundo.

O Primeiro-ministro, Alexis Tsipras, levou ao parlamento uma proposta  para cortar, pelo menos, 13 mil milhões de euros do erário público – 4 mil milhões de euros a mais que a “austeridade”, rejeitada esmagadoramente pela maioria da população grega no referendo do dia 5 de Julho.

Estes cortes incluem 50 por cento de aumento no custo do sistema de saúde para os pensionistas, cerca de 40 por cento dos quais vivem na pobreza; cortes profundos nos salários do sector público; a privatização total dos serviços públicos, como aeroportos e portos; um aumento no imposto sobre o valor acrescentado para 23 por cento, a ser aplicado também nas ilhas gregas, onde as pessoas lutam para sobreviver. E mais haverá para vir.

“Partido Anti austeridade tem impressionante vitória”, declarou o Guardian na sua manchete do dia 25 de Janeiro . “Esquerdistas radicais”, chamava o jornal a Tsipras e aos seus bem-educados companheiros. Eles usavam camisetas de gola aberta, e o ministro das finanças surgiu de moto e foi descrito como um “rock star da economia”. Era apenas fachada. Eles não eram radicais em sentido algum, ou apenas o eram no cliché com que eram etiquetados, e nem eram “anti austeridade”.

Durante seis meses Tsipras e o recentemente afastado ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, passearam-se entre Atenas e Bruxelas, Berlim e outros centros de dinheiro europeu. Em vez de justiça social para a Grécia, apenas conseguiram obter mais endividamento, ou seja um empobrecimento profundo que simplesmente irá substituir uma podridão sistémica baseada no roubo das receitas fiscais pelos gregos super-ricos  – bem em conformidade com os valores  “neoliberais” -, por empréstimos baratos mas altamente rentáveis para aqueles que exigem o escalpe da Grécia.

A dívida da Grécia, segundo um relatório de auditoria feito pelo Parlamento grego, “é ilegal, ilegítima e odienta”. Contudo, em comparação, é menos do que 30 por cento da dívida da Alemanha, seu principal credor. É menos do que a dívida dos bancos europeus cujo “resgate” em 2007-8 foi altamente controverso e que ficaram impunes.

Para um pequeno país, como a Grécia , o euro é uma moeda colonial: um garrote ao serviço de uma ideologia capitalista, tão extremo e rigoroso, que até o Papa o qualifica como “intolerável” e “o excremento do diabo”. O euro é, para a Grécia, o que o dólar norte-americano é nas terras longínquas do Pacífico , cuja miséria e servilismo é garantida através da sua dependência monetária.

Nas suas visitas ao antro dos poderosos em Bruxelas e Berlim, Tsipras e Varoufakis apresentaram-se não como radicais, nem como “esquerdistas” nem mesmo como honestos sociais-democratas, mas como dois neófitos, suplicantes nas suas fundamentações e exigências. Sem subestimar a hostilidade que enfrentaram, é justo que se diga que não mostraram coragem política. Mais do que uma vez, o povo grego teve conhecimento dos seus ” planos secretos para a austeridade”, através de fugas de informação para osmedia: como em 30 de Junho na carta publicada no Financial Times, na qual Tsipras prometeu aos chefes da União Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI que iria aceitar as suas básicas mas cruéis exigências  – que como se vê,  já aceitou.

Quando o eleitorado grego votou “não”, em  5º de julho, contra esta espécie de negociação de tipo subterrâneo, Tsipras disse, “Na próxima segunda-feira, após o referendo, o governo grego estará na mesa das negociações com melhores condições para defender o povo grego”. Mas os gregos não tinham votado apenas por “melhores condições”. Eles tinham votado  pela justiça e pela soberania, tal como haviam feito no dia 25 de Janeiro .

No dia seguinte à eleição do mês de Janeiro, um governo  verdadeiramente democrático e, sim, um governo radical, teria evitado a saída de cada euro do país, teria repudiado a “ilegal e abominável” dívida – como a Argentina fez com êxito – e acelerado um plano para deixar a tão paralisante zona Euro. Mas não havia nenhum plano. Havia apenas a vontade de estar  “à mesa”, procurando “melhores condições”.

A verdadeira natureza do Syriza raramente tem sido analisada e explicada. Para os media estrangeiros não são mais do que “esquerdistas”, ou  “extrema-esquerda”, ou “linha dura” – o habitual cliché. Alguns dos apoiantes internacionais do Syriza tem atingido, por vezes, níveis de ânimo elevados, uma reminiscência da ascensão de Barack Obama. Alguns têm perguntado: Quem são esses  “radicais”? Em que é que eles acreditam?

Em 2013, Yanis Varoufakis escreveu:

“Devemos acolher esta crise do capitalismo europeu como uma oportunidade de o substituir por um sistema melhor? Ou será que devemos apenas encetar uma campanha para estabilizar o capitalismo? Para mim, a resposta é clara. É muito pouco provável que a crise da Europa dê origem a uma melhor alternativa para o capitalismo…

“Inclino-me para a crítica que tenho defendido, que uma agenda fundada no pressuposto de que a esquerda foi, e continua a ser, inteiramente derrotada… Sim, eu gostaria de apresentar [uma] agenda radical. Mas, não, não estou disposto a cometer o  [erro do Partido Trabalhista britânico, na sequência da vitória de Thatcher].

“O que é que de bom foi conseguido, na Grã-Bretanha, no início da década de 1980, promovendo uma agenda de mudança socialista que sociedade britânica desprezou, precipitando-se para a viagem neoliberal de Thatcher? Precisamente nada. O que é que de bom virá de lutar pelo desmantelamento da zona euro e da União Europeia propriamente dita…?”.

Varoufakis omite qualquer referência ao Partido social-democrata que, ao dividir o eleitorado de esquerda, levou ao surgimento do “blairismo”. Sugerindo que as pessoas na Grã-Bretanha  “espezinharam as mudanças socialistas” – quando não tiveram qualquer possibilidade real de fazer tais mudanças – ele repete Blair.

Os dirigentes do Syriza são revolucionários, de um certo tipo – mas sua revolução é a perversa e usual apropriação da social-democracia e das suas representações parlamentares pelos liberais,    formados para cumprir a vulgata neoliberal, ao serviço da engenharia social estabelecida, cujo rosto autêntico é o de Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças da Alemanha, um bandido imperial. Como o Partido Trabalhista na Grã-Bretanha, e seus equivalentes entre os antigos partidos social-democratas, considerando-se ainda “liberais” ou até mesmo “de esquerda”, o Syriza é o produto de uma afluente, altamente privilegiada e educada classe média, “escolarizada no pós-modernismo”, como Alex Lantier escreveu.

Para eles, classe é o impronunciável, quanto mais uma persistente luta, apesar da dura realidade da vida da maioria dos seres humanos. Os vultos do Syriza são bem comportados; eles não irão liderar a resistência que os cidadãos almejam, e que o eleitorado grego com tanta coragem demonstrou, mas apenas lutar por “melhores condições” venais dentro do status quo que encurrala e castiga os pobres. Quando se funde com “políticas de identidade” e com as suas insidiosas distrações, a conseqüência não é resistência, mas subserviência. A vida política na Grã-Bretanha exemplifica isso mesmo.

Mas este cenário não tem que ser uma fatalidade, um capítulo encerrado, se despertarmos do longo coma da pós-modernidade e rejeitarmos os mitos e enganos, daqueles que dizem que nos representam, e lutar.

 

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