Passos Coelho quer privatizar a RTP. Mas, o que está a fazer, é a destruí-la. E, portanto, a desvalorizá-la.
Esta patológica sanha de privatizar tudo, empresas e instituições lucrativas para o Estado, como a Caixa Geral de Depósitos, a EDP, os Correios, a TAP, até as Águas de Portugal, é um crime irreversível contra Portugal.
Vejamos o caso da RTP.
- O anúncio de Passos Coelho foi que ia privatizar um dos canais da RTP. Mas não disse qual. Quis fazer-nos passar por estúpidos. Todos sabemos que, na RTP, só há um canal privatizável, o1º. Alguém vai comprar um segundo canal com 5% de audiência? Alguém – mesmo em saldo – quer comprar a RTP Memória, a RTP África, a RTP internacional ou a RTPN? Ou a RTP Açores? Ou a RTP Madeira?
- O anúncio da privatização teve como consequência imediata a decapitação da direcção de programas (José Fragoso) e a saída para a TVI dos melhores jornalistas-pivôs: José Alberto de Carvalho e Judite de Sousa.
Sei por experiência própria e televisiva que situações de indefinição e insegurança como esta provocam instabilidades profundas e duradouras, desmotivação e imediata perda de qualidade do produto televisivo.
É que o produto que a RTP fabrica não são parafusos, ou tijolos, sempre iguais e sempre os mesmos. Não. O produto da televisão pública são programas. Programas sempre diferentes nos 365 dias do ano. Uma estação de televisão é uma estrutura frágil, delicada, sensível, onde a imaginação e a criatividade têm de superar a rotina e o "mais do mesmo".
Mas, se Passos Coelho quer privatizar, Paulo Portas nem quer ouvir falar nisso. E, entre a loucura de um e a sensatez do outro, esperemos pelas cenas dos próximos capítulos. - Em televisão, quanto maiores as audiências, maiores as receitas da publicidade. É esse o negócio da TVI e da SIC. E também – parcialmente – o da RTP. Há pouco tempo a estação pública estava mais próxima da TVI do que a SIC da RTP. Mas bastou Passos Coelho falar, para tudo isto se inverter: a RTP já está atrás das outras e a ter audiências tão fracas que deviam envergonhar o ministro da tutela, Miguel Relvas. Caso ele – como é óbvio – percebesse alguma coisa de televisão.
- Para Passos Coelho, uma televisão estatal e de serviço público, mais do que uma inutilidade, é uma ameaça, um alvo a abater.
Quando vai a Bruxelas tirar aquelas fotografias com Presidentes e colegas seus, o que é que cada um deles lhe podia ensinar?
Que no Reino Unido, há a BBC. Na Alemanha, a ARD. Em Itália, a RAI. Em França, a TF1. Em Espanha a TVE. Tudo televisões estatais. Chega?
Há, no entanto, uma coisa de que tenho a certeza: logo que Passos Coelho vender a RTP em saldo, imediatamente esta genial ideia será seguida em toda a Europa. - Significa isto que eu concorde que na RTP tudo vai bem? Claro que não. Nem por sombras. Sobretudo por duas razões.
Em primeiro lugar, a RTP – que devia ser um serviço público – confunde esta obrigação legal com a pior programação das televisões concorrentes: concursos, reality shows, futebol a toda a hora e sob todos os pretextos, telenovelas de refugo, jornalistas e repórteres que não sabem falar portugês. Em vez de criatividade e invenção, pratica-se o "voyeurismo" e copia-se o pior.
Em segundo lugar, é possível fazer bons programas com grandes audiências, gastando pouco dinheiro. Mais em jeito do que em força. Pondo a imaginação a funcionar.
Quando fui director de programas da RTP – e depois seu administrador – provei isso: a imaginação vale mais que o dinheiro.
Lembram-se, os mais velhos, de A Visita da Cornélia? Ou de O Tal Canal, do Herman José? Lembram-se dos programas de poesia do Mário Viegas? E dos do Prof. Vitorino Nemésio? E dos do Victorino de Almeida? Lembram-se da Gabriela (que eu comprei quase a custo zero)?
Se então foi possível, porque não o é agora? - Era isto que o governo devia promover: restruturar em vez de privatizar, concentrar pessoas e meios, criar uma atitude de respeito pela cultura, proibir que apareça à frente das câmaras quem não souber falar a nossa língua.
É que, a televisão, é sobretudo uma escola. Para o bem. E para o mal.
Será que o governo, que até extinguiu o Ministério da Cultura, não percebe que Portugal precisa de uma televisão de serviço (ao) público? (O Ribatejo)
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