25 julho, 2010

Jose Niza

Por: José Niza


É muito cómodo responsabilizar o Governo – o actual, ou qualquer outro – por tudo o que corre mal. Mas basta ouvir as entrevistas de rua aos “populares” – que as televisões exibem a cada momento – para se perceber até que ponto a ignorância, a incompetência e o mal-dizer, são endémicos em Portugal. E, se a isto somarmos o laxismo, a arrogância e a preguiça, teremos – com algumas e meritórias excepções – o retrato do Portugal de hoje.
Há pouco tempo aqui escrevi, e provei, que em Portugal, por cada dia de trabalho, há um dia de descanso. Mas não basta apenas saber quanto se trabalha, é preciso também saber como se trabalha.
Vou contar algumas histórias – que poderiam ter acontecido com qualquer de vós – e que bem ilustram o nacional terceiro-mundismo em que nos vamos afogando.

1. SELOS – Na Junta de freguesia de S. Nicolau (Santarém) existe um posto dos CTT. Vou lá com frequência: há estacionamento e a espera é mínima. Aqui há tempos fui lá para comprar selos de correio azul. Não havia. Voltei uma semana depois. Não havia. Tentei de novo há uns 15 dias. Ainda não havia! Protestei: como é que num posto dos CTT nunca havia selos? A menina do balcão – com um ar de “vai mas é chatear outra” – ripostou: “Eles não mandem ! E eu: “Menina, olhe que não é “eles não mandem”, é “eles não mandam”. E ela: “É que eu não tenho cultura geral como você”!

2. O SACA-ROLHAS – O guia gastronómico do Expresso recomendava um restaurante – “mesmo diante do mar e com uma esplanada que apetece, serve excelente peixe grelhado e mariscadas variadas – Praia de S.Torpes – 15 a 25 euros por pessoa”.
Minha mulher e eu encomendámos o almoço: linguadinhos fritos com açorda e uma garrafa de vinho branco fresco. Um quarto de hora depois chegaram as azeitonas, o pão, e uma pergunta: “O vinho é branco, ou tinto?” Que era branco. Que já tinha dito. Mais outro quarto de hora e nova pergunta: “A garrafa é grande, ou é das pequenas”? Que era grande. Que já tinha dito. Mais uma eternidade e a rapariga avançou finalmente com uma garrafa, um saca-rolhas e com o ar satisfeito do dever cumprido. E ficou ali especada, paralisada, com a garrafa numa mão e o saca-rolhas na outra: a mocinha nunca na vida tinha aberto uma garrafa! E foi preciso que uma ucraniana da Ucrânia viesse em seu socorro. Servido o vinho – e quando sobre a mesa já só havia caroços de azeitonas e migalhas de pão – de novo a ucraniana com um lindo sorriso azul: “Os senhores não querem encomendar o almoço”? Respondi-lhe que essa encomenda já tinha sido feita há mais de uma hora e que, embora antiga, ainda estava em vigor. Este “Trinca-Espinhas” que o Expresso me aconselhou, custou-me 33,45 euros, duas horas de vida, e não teve gorjeta.
Pensando bem, vou mas é mandar a conta ao meu amigo Balsemão.

3. GASOLINA COM CHOQUES ELÉCTRICOS – com o ódio que tenho à GALP já há mais de dois anos que me abasteço nas bombas da Feira Nova. Depósito cheio. E quando a funcionáriaa me passou a máquina para pagar com o cartão, levei um choque eléctrico do caraças! Pelo inesperado e pela potência, gritei que aquilo estava a dar choque. É, disse a dita senhora com o ar mais natural do mundo: “Já ontem informei o técnico, mas ainda não veio cá ninguém”. Ela já cumprira o seu dever. E os clientes – para além do gasolínico choque da factura – que continuassem a levar choques eléctricos. Comentando este episódio num almoço no “Quinzena”, diz-me o empregado: “Eu também já levei. E muitos”!

4. PEUGEOT – Nos últimos 25 anos já tive uns 5 ou 6 Peugeots. Há tempos vi anunciar na televisão um novo modelo que me agradou, o 308. Curioso, fui à Autogaleão para ver o automóvel. Não tinham nenhum. Pedi um catálogo. Não havia. Pedi algumas informações sobre o carro ao vendedor. Não sabia. Pelo contrário, desatou a fazer-me perguntas sobre o tal 308!!! Exactamente as mesmas que eu tinha para lhe fazer! Pedi-lhe imensas desculpas pelo incómodo e pelo tempo que lhe tinha tirado. Ingenuamente ainda acreditei que ele depois me enviasse informações sobre o automóvel, ou que telefonasse para o ir ver ao stand. Mas não. Até hoje. Quando contei esta história a um amigo, ele disse-me que a Autogaleão estava numa situação difícil: é o que acontece às padarias quando não sabem vender pão…

Será que Portugal ainda existe?
Existir, ainda existe. Mas não é a mesma coisa.

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