Pais transformam competições dos filhos em jogos de bolinha vermelha
Nas imediações do Estádio Municipal de Tomar já se ouve a gritaria e os assobios. Lá dentro a equipa da casa defronta o C.A.D.E do Entroncamento. Em campo, os jogadores têm entre 8 e 12 anos e, concentrados, raras são as vezes que abrem a boca. “Passa a bola car…..”, diz um jogador. “Chuta a bola, po….”, diz outro para o colega de equipa.
Fora do rectângulo de jogo, ambas as claques fazem bem o seu papel e são incansáveis a puxar pela equipa. Por vezes os ânimos aquecem e é aqui que a boca, que nestes casos parece estar directamente ligada ao coração, tem dificuldade em controlar o vernáculo. Especialmente as senhoras que se encontram a assistir ao jogo.
"Ó seu grande filho da p…. não viste que foi falta” ou “ Isto é obstrução na minha terra, ó palhaço”, são alguns dos impropérios dirigidos ao árbitro da partida, que parece ignorar as ofensas.
Com o aproximar do final do jogo, com os visitantes a ganhar, os nervos parecem aumentar e a dismonorreia de palavrões sucede-se. “Vai para casa, ó meu c…..”, “Não tens relógio, ó palhaço?!!!!.
A instituição do cartão azul, proposta recente de Rui de Mâncio, coordenador das selecções de futebol da Madeira, para controlar os "palavrões" em jogos de futebol das camadas jovens poderia muito bem ser estendida a outros actores: os pais dos próprios jogadores que, durante os jogos, chegam a usar vernáculo de fazer corar uma freira.
O ambiente que se vive no Estádio Municipal de Tomar é, segundo o pai de um dos jogadores da escola de futebol daquela cidade, que por medo de represálias preferiu não se identificar, o mesmo que se vive em outros estádios da região, sempre que duas equipas de jovens se defrontam.
“É incrível, já assisti na bancada a cenas e provocações entre pais de miúdos que chegaram mesmo a vias de facto”, diz, admitindo que também ele se exalta quando é picado pela claque da equipa adversária.
“Não sei se é por ser a equipa do meu filho que está a jogar mas o certo é que os níveis de adrenalina sobem ao máximo na bancada”, aponta.
“Ora p….., outro chapéu”, “Fod… até que enfim que marca falta” e por aí fora até ao apito final do árbitro, momento em que os jogadores da equipa visitante correm eufóricos a abraçar os elementos da sua claque, onde se encontram os pais, alguns que ficaram afónicos de tanto gritar. “É mais forte do que eu, não consigo controlar as emoções enquanto estou a assistir ao jogo. Não é pelo meu filho mas sim pela equipa toda”, diz a mãe de um dos pequenos jogadores, antes de o felicitar pela vitória.
Numa outra competição, desta feita que coloca a equipa do U. Tomar ao Rio Maior, o ambiente vivido nas bancadas é em tudo semelhante.
Um grupo constituí-do maioritariamente por mulheres, mães de alguns jogadores, com idades ente os 14 e 17 anos, puxa pela equipa visitante que acaba por ganhar a partida por 1-0. “Somos a melhor claque do mundo”, dizem em uníssono, admitindo que, por vezes, soltam alguns palavrões no decurso da partida, incendiadas pela “falta de jeito” do árbitro da partida, justificam. “Nessas alturas temos que cantar mais alto para que não se oiça o que algumas de nós dizemos”, confessam a rir.
Segundo Luís Faria, treinador das escolinhas do C.A.D.E. o comportamento dos pais na bancada é algo excessivo, devendo estes ter mais calma enquanto assistem aos jogos dos filhos. “Os pais dizem muito mais asneiras que os filhos.
Os miúdos querem é jogar à bola e se batem uns nos outros pedem logo desculpa. Isso não se vê nos graúdos”, apontou o técnico. Para Luís Faria, esta atitude representa uma “carga psicológica” muito grande para miúdos de pouca idade e a quem é exigido o mesmo que um jogador adulto. “Os pais vivem demais o jogo e penso que não há necessidade de arranjarem chatices e trocarem palavrões uns com os outros”, atesta.
No campo dos Bugalhos, em Alcanena, a equipa da casa, constituído por jogadores entre os 8 e 12 anos, ganha ao visitante, de Ferreira do Zêzere por 3-0. O ambiente é mais calmo do que o que se assiste nos campos de Tomar ou do Entroncamento. Mesmo assim por vezes ouvem-se frases mais picantes. “Ponham-lhe àgua-ráz (solvente) no rabo para ver se corre mais”, diz um homem, de pé. Na bancada há uma voz que se sobrepõe entre as demais. É a de Cândida Alves, mãe do jogador n.º 6, Pedro Alves. Acompanha o filho para onde quer que ele vá, já lá vão cinco anos. Apesar de viver intensamente a partida, da sua boca não sai um único palavrão. “Não temos esse costume aqui. Sabemos ganhar e perder. Mas há aí sítios que meu Deus, se for assistir a uma partida sai de lá corada”, diz.
Também o árbitro da partida, Nelson Campos, prefere fazer orelhas moucas ao que ouve dentro e fora das quatro linhas: “Os jogadores, como são muito jovens, é normal que digam alguns palavrões entre eles mas os pais, na bancada, são mil vezes piores”.
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