A maçonaria, o Narciso e as presidenciais
7 de maio de 2015 por as minhas leituras deixe um comentário
Há assuntos que são como atirar sal para uma fogueira. Basta enunciá-los e começam traques e estalidos. É assim com Sócrates, com a reestruturação da dívida, com a descolonização, com Mário Soares, com os árbitros do Benfica, com o PREC, entre tantos outros e com a maçonaria. Acima de tudo com a maçonaria. Temas que os bons chefes de família, os que gostam de palmadinhas nas costas, devem evitar referir ou, caso seja impossível escapar-lhes, fazê-lo com a devida reserva. Compreendo estes comportamentos e entendo a conveniência de a maioria das pessoas ser assim, mas eu não sou: Se fossem todos como eu até eu mudava de pele. Já agora, não sou maçon.
Consciente das consequências, vou falar da maçonaria e de contrapropaganda a propósito do Portugal que se opõe a Sampaio da Nóvoa, o primeiro dos que podemos considerar grandes candidatos a apresentar-se aos eleitores. O essencial está num artigo de Vasco Pulido Valente, no dia primeiro de maio, no Público.
Vasco Pulido Valente, no seu amargo e decadente refúgio reaccionário, dirigiu instintivamente para a maçonaria as zarabatanas dos venenos desse Portugal. O alvo certo. Quem sabe nunca esquece e Vasco Pulido Valente sabe que, para o imaginário popular mais profundo, rural e beato, para uma sociedade como a portuguesa, ideológica e culturalmente herdeira do fundamentalismo da Inquisição, do absolutismo dos soberanos, do poder mesquinho dos caciques e dos curas locais, que chegou no estado de ditadura do salazarismo até três quartos do século vinte e no estado catatónico de Cavaco Silva ao século vinte e um, a maçonaria é ainda o judaísmo, é o liberalismo, é a revolução francesa, é a República. Vasco Pulido Valente sabe que existe um vasto público pronto a aplaudir quem puxar o rabo à maçonaria. É o seu actual público. Mas o recurso a este pechisbeque argumentativo é sinal dos apuros em que estão metidos os técnicos de contrapropaganda para denegrirem Sampaio da Nóvoa sem se assumirem como forças do passado. Contam com o constrangimento dos maçons que ainda têm acesso à comunicação social em falarem da organização e dos não maçons em serem tomados como tal.
Ao escrever que viu nas imagens da sua TV, presumo que de alta definição, toda a maçonaria reunida à volta de Sampaio da Nóvoa e ao cair na vulgaridade – que ele tanto detestava – de deitar mão ao espantalho mais utilizado na luta do ultramontanismo nacional contra a modernidade, Vasco Pulido Valente ressuscitou a velha associação de ideias que ainda serviram durante quarenta anos a Salazar e a Cerejeira para justificarem a ditadura do Estado Novo: a maçonaria é o Diabo, e o Diabo está contra Deus e a Pátria, o primeiro entendido como o deus da Igreja Católica de Cerejeira e a segunda como uma propriedade de um monarca absoluto, Salazar. Logo,se a maçonaria está com Sampaio da Nóvoa, este é contra Deus e contra a Pátria e vai levar os bons portugueses para o Inferno, onde todos arderemos.
A análise de Vasco Pulido Valente deixa subentendido que os bons portugueses se devem unir contra tal candidatura, não através de acções razoáveis e positivas, mas sim promovendo esconjuros e exorcismos. A proposta de Vasco Pulido Valente, como a dos opinadores do situacionismo oitocentista, os talassas, os reaccionários em geral, pode ser resumida a um grito: Vade retro satanás!
Vasco Pulido Valente podia ter ficado por aqui, mas o anúncio da candidatura de Sampaio da Nóvoa mexeu com as suas frustrações, as frustrações de alguém que se esvaiu como intelectual em O Poder e o Povo e como político em patético secretário de Estado da Cultura. Teve o efeito de revelar, além do exorcista que escreve no Público, o Narciso que ele vê todos os dias reflectido no espelho da sua cristaleira, quando se afirma contra «uma não-pessoa, um saco vazio que faz declarações sem propósito ou consequência»! Vasco Pulido Valente não resistiu a falar de si!
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