27 setembro, 2014

Passos Coelho - muita água ainda vai correr...

Porque hei-de acreditar na Justiça?

 

“PGR confirma ao PÚBLICO que a denúncia anónima contra o primeiro-ministro foi autonomizada esta quarta-feira, dia 24, na sequência do pedido de Passos Coelho, e arquivada ontem, dia 25. Arquivamento da denúncia contra Passos Coelho ignorou crime de branqueamento de capitais, que ainda não prescreveu. Há quem fale em "decisão política".

 

A Procuradoria-Geral da República respondeu na quinta-feira ao pedido que Pedro Passos Coelho lhe dirigiu na terça-feira, para averiguar se tinha recebido remunerações não declaradas ao fisco. A resposta foi o despacho de arquivamento do inquérito em que se procurava averiguar se tal tinha acontecido. O arquivamento desse inquérito foi decidido na própria quinta-feira, na véspera da intervenção do primeiro-ministro no debate parlamentar na manhã desta sexta-feira.

E, sabe-se agora, foi efémera a sua vida enquanto inquérito autónomo: um dia. A PGR esclarece ao PÚBLICO: "O despacho a mandar extrair a certidão para abrir inquérito autónomo tem data de 24/9/2014." Ou seja, no mesmo dia em que chegou à procuradoria o pedido de Passos para que fosse investigada a possibilidade de algum "ilícito", a denúncia que existia (e estava junta ao processo principal) foi autonomizada e entregue ao procurador Rui Correia Marques.

"Tal decisão foi tomada por se verificar que a matéria subjacente à denúncia não estava directamente relacionada com os factos em apreço no denominado processo Tecnoforma. Acresce que a apreciação dessa matéria não estava dependente das investigações em curso no processo Tecnoforma nem do resultado das mesmas, e vice-versa", acrescenta a PGR.

O procurador não precisou de mais do que umas horas para decidir: arquive-se. Ou seja, a investigação ter-se-á resumido, como explica o despacho de 15 páginas onde é decidido o arquivamento, à verificação de que os alegados crimes estariam já prescritos. 

A resposta da PGR ao esclarecimento pedido pelo primeiro-ministro limita-se a transcrever o despacho de encerramento do inquérito aberto no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) com base na denúncia anónima de que Passos tinha recebido mensalmente cerca de cinco mil euros, durante vários anos, do Centro Português para a Cooperação (CPPC), rendimentos esses que não teria declarado ao fisco.

A abertura de inquéritos e das chamadas "averiguações preventivas" com base em denúncias anónimas é uma prática corrente em Portugal e nos sistemas judiciais da generalidade dos países ocidentais. A página da PGR na Internet tem mesmo, obedecendo a recomendações de organizações internacionais, uma espaço específico para denúncias anónimas de corrupção.

A decisão de arquivar o inquérito aberto em data ainda desconhecida partiu do princípio de que “a factualidade denunciada é susceptível de, em abstracto e actualmente, integrar a prática de crime de fraude fiscal e de crime de recebimento indevido de vantagem” por parte de titular de altos cargos públicos ou políticos, excluindo quaisquer outros crimes.

E o crime de fraude fiscal, nos termos da lei, prescreve ao fim de cinco anos, tendo, de acordo com as contas do procurador titular do inquérito, Rui Correia Marques, a prescrição ocorrido em Abril de 2007, visto que a denúncia aludia a pagamentos efectuados de 1997 a 2001 e não 1999, como tem sido noticiado, pelo que os rendimentos deveriam ter sido declarados para efeitos de IRS até 2002. Já o crime de recebimento indevido de vantagem nem sequer existia na lei à data dos factos, uma vez que apenas foi introduzido na ordem jurídica em 2010.

A decisão de arquivar o inquérito resulta assim do pressuposto de que o único crime susceptível de corresponder à prática dos factos denunciados era o de fraude fiscal, que já estava prescrito.

Este entendimento é fortemente criticado por fontes judiciais ouvidas pelo PÚBLICO, na medida em que, associado ao crime de fraude fiscal, e na prática corrente do DCIAP, é sempre analisada a hipótese de estarem em causa crimes como o de branqueamento de capitais que só prescreve ao fim de 15 anos. Se isso tivesse sido acontecido neste caso, o inquérito não podia ser arquivado por prescrição, desencadendo-se normalmente um conjunto de diligências de investigação para concluir, com fundamento, sobre a credibilidade da denúncia e sobre o arquivamento, ou o prosseguimento do inquérito.

O branqueamento de capitais, garante um procurador do DCIAP que pede para não ser identificado, está muitas vezes associado ao de fraude fiscal, visto que o branqueamento de capitais corresponde aqui à dissimulação de rendimentos que não foram declarados ao fisco.

A PGR esclareceu o PÚBLICO de que essa decisão se baseou numa análise legal. "A queixa delimita o objeto da investigação. Na queixa anónima apresentada não é feita qualquer referência a factos que sejam suscetíveis de integrar o crime de branqueamento", começa por explicar o gabinete de Joana Marques Vidal.

 

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