Um quadro dum antigo companheiro da Guerra de África
“É tempo de vindimas”, assim intitulei este quadro datado de 1973.É um óleo sobre platex com 40 x 32 cm.
Representa o que há sessenta anos, na época das vindimas, era frequente nas ruas da aldeia onde eu vivia. Carros de bois com dornas, cestos (gigas e canistréis), escadas e, sobre as dornas, um esmagador para esmagar as uvas. Desciam a aldeia em direcção aos campos, a sul, onde as orlas dessas propriedades eram cobertas por largas e altas ramadas com vides carregadas com cachos de todas as qualidades: espadeiro, vinhão, moscatel, americanas e outras de que já não me lembro. Hoje diz-se castas, e fala-se de “trincadeira”, “roupeiro”, “arinto”,, “castelão”,” periquita” e outras designações.
Quando o esmagador fazia parte da logística, a matéria-prima chegava ao lagar já meio tratada, depois seguiam-se as pisadas, normalmente à noite, das quais participava, além da gente da casa, a rapaziada do lugar. Eram serões festivos, com a mocidade a envermelhar as pernas, com o tinto que se ia carregando à medida que as horas passavam a marchar no mesmo sítio.
Momentos de alegria. Na parte da colheita, a boa disposição era abrilhantada com algumas brejeirices, porque o mulherio era o género mais comum nessa tarefa, subindo e descendo as escadas (de mão), numa época em que as calças eram só para os homens. No solo, a cachopada não faltava, para a apanha das uvas que se desprendiam lá de cima, mas não havia ordem de levantar a cabeça…
Hoje, nada disso existe por lá. As ramadas foram caindo ou propositadamente destruídas. E se alguma resta, mal dará para a produção da preciosa vinhaça a consumir em casa. De resto, os avanços no domínio da vitivinicultura fizeram esquecer os tempos da minha meninice, em que o vinho não era feito a martelo, mas…
A propósito, apanhei a primeira e última “borracheira” por volta dos meus dez anitos. A culpa não foi minha, mas da rapariga, minha amiga, de que guardo saudades; já cá não está. Mais velha do que eu cerca de oito anos, era filha de uma das mais ricas casas de lavoura da aldeia. É curioso que foi com ela que comecei a gostar da manipulação e da combinação das cores. Foi ela que me safou de uma ou de outra asneirita, quando era apanhado sobre os ramos das suas figueiras, feito estorninho, à cata dos melhores figos que por lá havia.
Um dia, ao ajudá-la, na adega, onde com as pipas se acomodavam as tulhas dos vários cereais, a sede apertou, e uma das pipas, com a torneira a funcionar, foi a solução. Bebeu ela e bebi eu. Só que ela aguentou-se nas canetas e eu, passado um bocado, já fora das instalações, não me aguentei de pé e estendi-me ao comprido, de cara para baixo. O resultado é fácil de adivinhar…
Gosto de boa pinga: alvarinho de Melgaço, Monção ou da Galiza, do tintol do Dão e dos do Alentejo. Mas nunca mais excedi os limites adequados à minha fisionomia.
Tanta história e estórias a propósito desta minha pintura, feita à pressa há mais de quarenta anos. Onde se encontrará ela? Não sei, mas penso que algures na Póvoa de Varzim. Resta-me a fotografia como documento.
Para os meus Amigos, um bom fim-de-semana. E, já agora, se conduzirem não bebam.
Cordiais saudações.
Sérgio O. Sá””
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