O presidente não resiste à vontade de ser "o homem do leme". De "apontar caminhos". De preferência o que leva a ele.
Pedro Marques Lopes escreveu ontem no DN que Cavaco Silva é um homem previsível e como presidente fez o que se esperava dele. Difícil não concordar. Cavaco é tão fiel à ideologia hiperconservadora que o enforma em termos de costumes que um mês após a entrada em vigor de uma lei que vetou, a do divórcio, foi a Fátima fazer um discurso em que atribuía ao efeito da lei um aumento dos casos de pobreza. "Dizem-me que", disse o presidente no meio de uma assembleia de prelados, sem cuidar de dizer quem lho tinha dito e muito menos como seria possível, num mês, medir tais consequências de uma lei.
Na altura, estas afirmações do Presidente foram lidas como evidência da sua irritação com a resistência do Parlamento à alteração de uma lei que tinha desaprovado. Não houve quem sublinhasse nelas "uma relação difícil com a verdade" - para usar uma expressão cara ao seu apoiante Pacheco Pereira - ou, para usar uma palavra mais gasta, a demagogia.
Demagogia é, sabe-se, um vício da política. Mas estamos habituados a associá-la ao - e a aceitá-la no - combate partidário. A existência de um pendor demagógico - o que despreza a verdade e/ou a instrumentaliza para obter um determinado efeito - no discurso de um Presidente, e ainda por cima num presidente que passa a vida a reiterar a necessidade de rigor e de contenção no seu próprio discurso, só pode significar que este aceitou ser parte no combate político-partidário.
Tinha havido disso alertas anteriores: o pesado silêncio face às repetidas ofensivas madeirenses "ao regular funcionamento das instituições" - desde a resistência anunciada ao cumprimento da lei do aborto ao barrar da entrada de um deputado na Assembleia Regional, passando pela acabrunhante visita presidencial ao arquipélago e pelo facto de ter aceitado que o Governo Regional o impedisse de ir à Assembleia "por se tratar de um bando de loucos" -, silêncio que contrastou com a fúria contra o Estatuto dos Açores (independentemente das razões que lhe poderiam assistir) e que demonstrou ao País a clara existência de dois pesos e duas medidas, pesos e medidas que renegam a ideia (algo lírica, é certo) de um Presidente como vértice vigilante e sem pendor partidário.
Mas também isso estava previsto: Entre as objecções à sua eleição, em 2006, contou-se a de que seria incapaz de se ater às funções presidenciais estatuídas na Constituição. A ideia, fundamentada numa avaliação psicológica de Cavaco como alguém que acha que só ele sabe o que é bom e certo, era a de que não resistiria à vontade de ser "o homem do leme". O prefácio do livro Roteiros III, em que anuncia não se poder limitar a "fazer diagnósticos" mas achar ser sua obrigação "apontar caminhos", como os termos do seu último discurso, repetindo quase palavra por palavra a doutrina da líder do PSD e estrategicamente pronunciado quando já não pode dissolver o Parlamento, vieram apenas confirmar que está em campanha - e, portanto, na campanha. Desenganem-se, porém, os que crêem que o faz pelo PSD. O caminho que aponta é só um: Cavaco, Cavaco, Cavaco.
Na altura, estas afirmações do Presidente foram lidas como evidência da sua irritação com a resistência do Parlamento à alteração de uma lei que tinha desaprovado. Não houve quem sublinhasse nelas "uma relação difícil com a verdade" - para usar uma expressão cara ao seu apoiante Pacheco Pereira - ou, para usar uma palavra mais gasta, a demagogia.
Demagogia é, sabe-se, um vício da política. Mas estamos habituados a associá-la ao - e a aceitá-la no - combate partidário. A existência de um pendor demagógico - o que despreza a verdade e/ou a instrumentaliza para obter um determinado efeito - no discurso de um Presidente, e ainda por cima num presidente que passa a vida a reiterar a necessidade de rigor e de contenção no seu próprio discurso, só pode significar que este aceitou ser parte no combate político-partidário.
Tinha havido disso alertas anteriores: o pesado silêncio face às repetidas ofensivas madeirenses "ao regular funcionamento das instituições" - desde a resistência anunciada ao cumprimento da lei do aborto ao barrar da entrada de um deputado na Assembleia Regional, passando pela acabrunhante visita presidencial ao arquipélago e pelo facto de ter aceitado que o Governo Regional o impedisse de ir à Assembleia "por se tratar de um bando de loucos" -, silêncio que contrastou com a fúria contra o Estatuto dos Açores (independentemente das razões que lhe poderiam assistir) e que demonstrou ao País a clara existência de dois pesos e duas medidas, pesos e medidas que renegam a ideia (algo lírica, é certo) de um Presidente como vértice vigilante e sem pendor partidário.
Mas também isso estava previsto: Entre as objecções à sua eleição, em 2006, contou-se a de que seria incapaz de se ater às funções presidenciais estatuídas na Constituição. A ideia, fundamentada numa avaliação psicológica de Cavaco como alguém que acha que só ele sabe o que é bom e certo, era a de que não resistiria à vontade de ser "o homem do leme". O prefácio do livro Roteiros III, em que anuncia não se poder limitar a "fazer diagnósticos" mas achar ser sua obrigação "apontar caminhos", como os termos do seu último discurso, repetindo quase palavra por palavra a doutrina da líder do PSD e estrategicamente pronunciado quando já não pode dissolver o Parlamento, vieram apenas confirmar que está em campanha - e, portanto, na campanha. Desenganem-se, porém, os que crêem que o faz pelo PSD. O caminho que aponta é só um: Cavaco, Cavaco, Cavaco.
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