Pedro, rapaz, eu acredito em ti
Este garoto – ou rapaz, ou puto, ou fedelho, ou catraio, ou cachopo – fez o favor de inspirar a minha crónica semanal. Fico a dever-lhe uma – e espero que prescreva, e que ele se esqueça de me notificar.
Pedro, rapaz, eu acredito em ti.
Posso ser, até, o único português a fazê-lo, mas nem por isso deixarei de acreditar. Aliás, não tenho a mínima razão para duvidar do que disseres, pois nunca te ouvi ferrar uma peta. Jamais. Disseste que não aumentarias os impostos, a começar pelo IVA, e não os aumentaste. Disseste que, para austeridade, já bastava a do Sócrates, e contigo a austeridade terminou logo no dia em que tomaste posse. Disseste que não tocarias nos ordenados e nas pensões, nem nos subsídios, e nem com os olhos lhe tocaste. Disseste que, contigo, acabariam os jobs for the boys and girls, e foi, realmente, um ar que lhes deu. Depois, Pedro, miúdo, vem um relatório da Comissão Europeia dizer que isto não está nada bom, pelo que nos quer manter sob apertada vigilância, e lá vens tu contar-nos a verdade e garantir que «o pior já passou», e que estamos muito melhor. O país respirou de alívio. E tenho a certeza de que nunca usarás este relatório para justificar mais austeridade.
Portanto, és um homem de palavra, digno e honrado como nenhum outro o foi antes de ti. E, depois de ti, nenhum o será tanto, salvo se se chamar Aníbal e for Cavaco. Por isso, Pedro, cachopo, quando dizes que não sabias se tinhas algum calote à Segurança Social, e que nunca foste notificado sobre qualquer dívida, eu continuo a creditar em ti. Piamente. E esclareço-te que este advérbio – piamente – não deriva de pia, como local de despejos de líquidos vários e outras coisas pouco agradáveis, que não viria a propósito da tua personalidade e carácter, mas de pia, no sentido de piedosa, santa, pelo que este piamente significa, como calcularás, santamente. Honestamente.
Perguntam os incréus, aqueles que em nada acreditam, por de tudo desconfiarem, porque carga de água a Segurança Social notificou mais de cem mil portugueses, principalmente trabalhadores precários pagos a recibos verdes, que andaram, literalmente, ó tio, ó tio, sem saber que contas deitar à vida, porque, em 2007 e 2008 a dita cuja Segurança Social estava, então, a chamá-los para que pagassem elevados montantes, relativos a contribuições não entregues — mesmo em anos em que não tinham ganho um cêntimo – e de ti, Pedro, gaiato, a Segurança Social se esqueceu? E tu eras um dos que deviam alguns milhares de euros por contribuições não pagas entre 1999 e 2004 e, apesar disso, não só não sabias que devias, apesar de nunca as teres liquidado, porque nunca supuseste que as devias ou, alguma vez o sabendo, disse te esqueceste – e um esquecimento, uma branca, um apagão, qualquer um de nós pode ter. Não é, Pedrocas?
Olha, Pedro, moçinho, repara no que aconteceu ao teu amigo, que também é amigo do senhor Aníbal, tal como é amigo do senhor Soares, que até o ajudou a comprar o banco que já fora da família dele, antes do 25 de Abril, e amigo é do senhor Sócrates – perdão: engenheiro Sócrates, como gosta de frisar o Araújo, aquele bacano que é advogado e, nas horas vagas, faz a malta rir à brava quando aparece na televisão – repara, então no que aconteceu a um amigo teu – e estou a falar do Ricardo Espírito Santo Salgado, esse marau – que se esqueceu de declarar ao fisco uns largos milhões de euros. Ora se um finório daqueles, que está habituado a andar com (ou a meter ) a mão na massa, em rodopios de toma-lá-dá-cá, principalmente na parte do dá-cá, se pode esquecer – e fê-lo, seguramente, sem qualquer intenção, como aconteceu contigo – de declarar milhões de euros, como é que tu, Pedro, rapazote, não te havias de esquecer de uns míseros quatro milhares de euros, ou coisa assim?
Ora, deixa cá ver: durante cinco ricos aninhos, bem contados, tempo que medeia entre o dia em que terminaste o teu mandato de deputado, em Outubro de 1999, e Setembro de 2004, data em que recomeçaste a descontar como trabalhador por contra de outrem, no grupo Fomentinvest, do teu amigo e patrono, Ângelo Correia, e enquanto foste consultor da Tecnoforma (ai, a Tecnoforma, aquela conveniente e prestável empresa de formação profissional para a qual o teu grande amigo, Miguel Relvas, enquanto governante, angariava uns cursinhos à maneira, a tal ponto que até a arquitecta Helena Roseta foi aos arames – sem qualquer razão, diga-se) não pagaste, durante esses tais cinco aninhos, quaisquer contribuições para a Segurança Social. Nesse período, além da Tecnoforma, onde eras responsável pela área da formação profissional nas autarquias, e arrecadavas 2.500 euros por mês, mediante a emissão de recibos verdes, trabalhavas – trabalhavas… digamos assim – sujeito ao mesmo regime de recibos verdes, na empresa LDN e na associação URBE. Isso é que foi bulir, moço! E ainda há quem diga que nunca mexeste uma palha!
Nos dois primeiros anos em questão, foste ainda dirigente do Centro Português para a Cooperação, organização não-governamental financiada pela mesma Tecnoforma. Foi aqui que estiveste, sempre injustamente, note-se, no centro de uma polémica sobre o carácter remunerado – ou não – das funções que ali exerceste, e sobre uma fraude fiscal que então terias praticado, no caso de teres sido remunerado, como diziam as aleivosas denúncias então surgidas – e por ti logo desmentidas. Como ficou provado pelas tuas sempre honestas e inquestionáveis palavras – e tanto bastou! – nunca recebeste remuneração, mas sim uns trocos para pagar as tuas despesas de representação. É assim mesmo, puto: um tipo que ama o que faz, quer lá saber de ordenados.
Resumindo, Pedro, garoto. Quem não deve, não teme. E quem não teme, pela mesma ordem de razões, também não deve, ou então a lógica seria uma batata. Um homem sem medo, como tu, não deve nada a ninguém! Depois, um esquecimento qualquer pessoa tem. Um gajo esquece-se das promessas, um gajo esquece-se de receber ordenado e só recebe ajudas de custo, sempre iguais, sempre certinhas. Um gajo esquece-se de pagar à Segurança Social, e esquece-se, depois, que está em dívida. Um gajo até se esquece da inteligência, e afirma que nem sabia que tinha a obrigação de pagar. Um gajo esquece-se de governar o país e, se não tiver cuidado, transforma-se em cobrador de impostos.
Mas sabes uma coisa, puto? Eu acredito em ti. Acho que um dia destes cresces e, ao veres-te ao espelho, logo pela manhã, recuperas de súbito a memória e ganhas a consciência do que tens sido. Então, chamarás o motorista, a quem dirás que te leve a Belém.
E em Belém farás, quase aos 50 anos, e pela primeira vez na vida, alguma coisa útil e digna: apresentarás a demissão irrevogável – mas mesmo irrevogável – das funções que exerces. Nessa altura – e só nessa altura, Pedro, garoto, rapaz, miúdo, fedelho – terás prestado, finalmente, um serviço ao teu país.
Portanto, és um homem de palavra, digno e honrado como nenhum outro o foi antes de ti. E, depois de ti, nenhum o será tanto, salvo se se chamar Aníbal e for Cavaco. Por isso, Pedro, cachopo, quando dizes que não sabias se tinhas algum calote à Segurança Social, e que nunca foste notificado sobre qualquer dívida, eu continuo a creditar em ti. Piamente. E esclareço-te que este advérbio – piamente – não deriva de pia, como local de despejos de líquidos vários e outras coisas pouco agradáveis, que não viria a propósito da tua personalidade e carácter, mas de pia, no sentido de piedosa, santa, pelo que este piamente significa, como calcularás, santamente. Honestamente.
Perguntam os incréus, aqueles que em nada acreditam, por de tudo desconfiarem, porque carga de água a Segurança Social notificou mais de cem mil portugueses, principalmente trabalhadores precários pagos a recibos verdes, que andaram, literalmente, ó tio, ó tio, sem saber que contas deitar à vida, porque, em 2007 e 2008 a dita cuja Segurança Social estava, então, a chamá-los para que pagassem elevados montantes, relativos a contribuições não entregues — mesmo em anos em que não tinham ganho um cêntimo – e de ti, Pedro, gaiato, a Segurança Social se esqueceu? E tu eras um dos que deviam alguns milhares de euros por contribuições não pagas entre 1999 e 2004 e, apesar disso, não só não sabias que devias, apesar de nunca as teres liquidado, porque nunca supuseste que as devias ou, alguma vez o sabendo, disse te esqueceste – e um esquecimento, uma branca, um apagão, qualquer um de nós pode ter. Não é, Pedrocas?
Olha, Pedro, moçinho, repara no que aconteceu ao teu amigo, que também é amigo do senhor Aníbal, tal como é amigo do senhor Soares, que até o ajudou a comprar o banco que já fora da família dele, antes do 25 de Abril, e amigo é do senhor Sócrates – perdão: engenheiro Sócrates, como gosta de frisar o Araújo, aquele bacano que é advogado e, nas horas vagas, faz a malta rir à brava quando aparece na televisão – repara, então no que aconteceu a um amigo teu – e estou a falar do Ricardo Espírito Santo Salgado, esse marau – que se esqueceu de declarar ao fisco uns largos milhões de euros. Ora se um finório daqueles, que está habituado a andar com (ou a meter ) a mão na massa, em rodopios de toma-lá-dá-cá, principalmente na parte do dá-cá, se pode esquecer – e fê-lo, seguramente, sem qualquer intenção, como aconteceu contigo – de declarar milhões de euros, como é que tu, Pedro, rapazote, não te havias de esquecer de uns míseros quatro milhares de euros, ou coisa assim?
Ora, deixa cá ver: durante cinco ricos aninhos, bem contados, tempo que medeia entre o dia em que terminaste o teu mandato de deputado, em Outubro de 1999, e Setembro de 2004, data em que recomeçaste a descontar como trabalhador por contra de outrem, no grupo Fomentinvest, do teu amigo e patrono, Ângelo Correia, e enquanto foste consultor da Tecnoforma (ai, a Tecnoforma, aquela conveniente e prestável empresa de formação profissional para a qual o teu grande amigo, Miguel Relvas, enquanto governante, angariava uns cursinhos à maneira, a tal ponto que até a arquitecta Helena Roseta foi aos arames – sem qualquer razão, diga-se) não pagaste, durante esses tais cinco aninhos, quaisquer contribuições para a Segurança Social. Nesse período, além da Tecnoforma, onde eras responsável pela área da formação profissional nas autarquias, e arrecadavas 2.500 euros por mês, mediante a emissão de recibos verdes, trabalhavas – trabalhavas… digamos assim – sujeito ao mesmo regime de recibos verdes, na empresa LDN e na associação URBE. Isso é que foi bulir, moço! E ainda há quem diga que nunca mexeste uma palha!
Nos dois primeiros anos em questão, foste ainda dirigente do Centro Português para a Cooperação, organização não-governamental financiada pela mesma Tecnoforma. Foi aqui que estiveste, sempre injustamente, note-se, no centro de uma polémica sobre o carácter remunerado – ou não – das funções que ali exerceste, e sobre uma fraude fiscal que então terias praticado, no caso de teres sido remunerado, como diziam as aleivosas denúncias então surgidas – e por ti logo desmentidas. Como ficou provado pelas tuas sempre honestas e inquestionáveis palavras – e tanto bastou! – nunca recebeste remuneração, mas sim uns trocos para pagar as tuas despesas de representação. É assim mesmo, puto: um tipo que ama o que faz, quer lá saber de ordenados.
Resumindo, Pedro, garoto. Quem não deve, não teme. E quem não teme, pela mesma ordem de razões, também não deve, ou então a lógica seria uma batata. Um homem sem medo, como tu, não deve nada a ninguém! Depois, um esquecimento qualquer pessoa tem. Um gajo esquece-se das promessas, um gajo esquece-se de receber ordenado e só recebe ajudas de custo, sempre iguais, sempre certinhas. Um gajo esquece-se de pagar à Segurança Social, e esquece-se, depois, que está em dívida. Um gajo até se esquece da inteligência, e afirma que nem sabia que tinha a obrigação de pagar. Um gajo esquece-se de governar o país e, se não tiver cuidado, transforma-se em cobrador de impostos.
Mas sabes uma coisa, puto? Eu acredito em ti. Acho que um dia destes cresces e, ao veres-te ao espelho, logo pela manhã, recuperas de súbito a memória e ganhas a consciência do que tens sido. Então, chamarás o motorista, a quem dirás que te leve a Belém.
E em Belém farás, quase aos 50 anos, e pela primeira vez na vida, alguma coisa útil e digna: apresentarás a demissão irrevogável – mas mesmo irrevogável – das funções que exerces. Nessa altura – e só nessa altura, Pedro, garoto, rapaz, miúdo, fedelho – terás prestado, finalmente, um serviço ao teu país.