09 junho, 2014

O Tribunal Cosntitucional visto pelo PM

Um belo “poema” de Pedro marques Lopes no DN, sobre as verborreias do “nosso” PM

 

“Mal estávamos se as deliberações do Tribunal Constitucional não pudessem ser questionadas. Ainda para mais quando a argumentação se baseia em princípios dificilmente determináveis como a proporcionalidade, a igualdade ou a confiança. Seria por isso absolutamente normal que o Governo, não vendo proceder as suas posições, tivesse vindo a terreiro mostrar o seu descontentamento.

O problema é que o Governo, desde cedo, decidiu entrar em conflito aberto com o TC e, com o tempo, erigiu-o a uma espécie de inimigo político a derrubar.

Os ataques foram-se sucedendo, foram recrutados até guerrilheiros estrangeiros. Durão Barroso, Oli Rehn e outros têm ajudado na guerra. As críticas não foram disfarçadas, as ameaças constantes e as provocações, puras e duras, foram-se sucedendo.

Nem a mais inocente criatura pode deixar de perceber que um Governo que em todos os seus orçamentos do Estado, inclusive retificativos, tem normas fundamentais declaradas inconstitucionais está a fazê-lo de forma propositada.

Poder-se-ia dizer que o Governo faz o seu papel e o TC o dele, mas, convenhamos, este comportamento não ajuda a uma sã convivência institucional e revela uma vontade de desprezar a Constituição e o seu único intérprete autêntico.

Curiosamente, este último acórdão tem alguns pontos que parecem bastante discutíveis. Como é evidente, não discutirei as questões jurídicas mas existe, pelo menos, uma aparente sugestão sobre qual deve ser a conduta fiscal do Governo que me parece manifestamente despropositada. Um órgão jurisdicional julga, não sugere caminhos. Por outro lado, no caso dos cortes nos subsídios de desemprego e doença, o TC sugeriu caminhos, o Governo seguiu-os e, agora, o mesmo TC chumbou as normas que tinha sugerido. Já na questão orçamentalmente significativa, a dos cortes nos salários, seguiu-se a que tem sido a doutrina estabelecida pelo TC, certa ou errada (para mim, pelo menos, questionável). Porém, o sistema funcionou, e os ataques governamentais são um ataque ao próprio sistema político. O Governo comporta-se como um verdadeiro delinquente institucional.

Quando um titular de um órgão de soberania acusa titulares de outros órgãos de soberania de falta de bom senso, o que está a fazer senão a pôr em causa a falta de qualidades pessoais para desempenhar os cargos? Quando argumenta que é preciso ter mais cuidado na seleção das pessoas para o Tribunal Constitucional, não está a chamar incompetentes aos atuais juízes?

Como é evidente, estamos muito longe da crítica admissível nestes casos. Imaginemos que este tipo de acusações pegava. Teríamos os juízes do TC a chamar incompetente ao primeiro-ministro, o Presidente da República a dizer que é preciso mais cuidado na seleção dos ministros ou até do primeiro-ministro ou os conselheiros do Supremo a dizer que os deputados são uns preguiçosos. Pode acontecer, basta seguir o exemplo de Passos Coelho.

Mas, por incrível que pareça, o primeiro-ministro foi mais longe. Disse que os juízes não eram "escrutinados democraticamente".

Talvez Passos Coelho tenha esquecido que a sua legitimidade tem a mesma origem da dos juízes do TC: vem dos deputados, dos representantes do povo. Pois, os juízes são escolhidos pelos deputados. Muito embora alguém devesse também lembrar ao primeiro-ministro que em demo- cracia o voto não é a única fonte de legitimidade.

Sabemos que uma revisão constitucional não retiraria os princípios que fizeram o TC chumbar as propostas de lei. Nenhuma Constituição de uma democracia pode prescindir dos princípios da igualdade, proporcionalidade ou confiança. Por outro lado, uma Constituição não pode prescindir de um TC. E esse seria sempre o intérprete autêntico da Constituição. É assim o regular funcionamento das instituições, é assim que funciona o Estado de Direito.

O que o primeiro-ministro parece querer é que os juízes tenham bom senso, ou seja, decidam como ele quer, ou então quer liberdade absoluta para legislar, desprezando a Constituição. Ora, a esse sistema pode chamar-se muita coisa, menos democracia liberal. Verdade seja dita, já toda a gente tinha percebido que há uma centelha revolucionária neste Governo.

Todo este circo de disparates sobre o funcionamento da democracia liberal, mais as acusações descabidas e pouco consentâneas com a dignidade de um primeiro-ministro, são apenas uma cortina de fumo para esconder os efeitos da incompetência e do deslumbramento ideológico que desembocaram na tragédia que está a ser a governação. O TC está a ser usado para disfarçar todas as medidas impopulares do futuro e todos os erros do passado. Se para se conseguir ocultar o fracasso e preservar o poder for preciso pôr em causa os equilíbrios institucionais, insultar meio mundo, atacar o Estado de Direito, assim será feito.

Estamos mesmo perante um caso de delinquência institucional.”

 

 

 

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