10 junho, 2013

Sem vergonha, ontem, hoje e amanhã

1. Há vozes importantes e sérias na maioria que vociferam agora contra a troika e o memorando. Não vale a pena falar dos que defendem o memorando como o atacariam se fossem essas as ordens dadas pelo chefe. Nem os que sem um pingo de vergonha o negociaram, escreveram o programa de governo e agora fingem não ter nada a ver com o assunto. Nem os que diriam o que quer que fosse por motivos meramente venais. Nem os que ontem se lembraram de frentes comuns contra a troika e que morreriam pela social-democracia em véspera de eleições autárquicas. E nem pensar em lembrar as palavras de Gaspar sobre o memorando e a sua recente afirmação sobre a sua deficiente negociação. Nenhum desses merece qualquer tipo de análise, uns por manifesta irrelevância, outros para não prejudicar o nosso sistema nervoso.

Interessa pensar em gente que contará para o futuro do PSD e do CDS, que tem apoiado o Governo e que tem vindo a deixar cada vez mais claro o seu desagrado com o actual estado de coisas. Miguel Frasquilho e João Almeida são dois bons exemplos.

O que estes e outros dirigentes do PSD e do CDS parecem esquecer é que Governo, troika, memorando e suas revisões são indissociáveis. Criticar a troika ou pedir uma mudança de atitude dos credores, como fez Miguel Frasquilho, é criticar violentamente o Governo e exigir uma mudança, que nunca acontecerá, na atitude do Governo.

Quantas vezes será preciso lembrar as palavras de Passos Coelho dizendo que o programa do Governo e do PSD era o memorando da troika? Quantas vezes será preciso recordar que era preciso ir além da troika? Mas não é preciso ir muito atrás no tempo. No momento em que a própria troika já percebeu que o plano não está a resultar e que, sem um pingo de respeito pelas vidas que destruiu, pelas empresas que faliu e pelo desespero que semeou, exibe publicamente o triste espectáculo do passa-culpas entre os seus membros, Gaspar diz no Parlamento que "não é verdade que o programa esteja a falhar" e que alguns dos problemas na actual execução orçamental se devem às más condições atmosféricas do primeiro trimestre do ano.

Que parte das pessoas responsáveis do PSD e do CDS ainda não perceberam quando lhes dizem que este Governo não mudará de rumo porque de facto acreditam nesta loucura? Será que nem as medidas como o corte dos 4 000 milhões de euros disfarçada de reforma do Estado sem critério ou plano e à margem do memorando não as fazem perceber o embuste? Como é que aceitam participar na conversa sobre ser preciso um orçamento rectificativo por causa do Tribunal Constitucional, sabendo que isso não passa duma vergonhosa mentira? Não sabem que a seguir a este rectificativo se seguirá outro porque, pura e simplesmente, a receita não está a resultar? Não saberão que este Governo acredita mais no programa da troika do que a própria troika? Ignoram que a grande maioria das medidas de austeridade postas em prática são da iniciativa do Governo e vão muito para além do acordado?

O problema é que sabem de tudo isto, como sabem do empobrecimento generalizado, do desemprego que fará emigrar os melhores duma geração e mandará para a miséria os que não poderem sair do país. Conhecem melhor que ninguém o que este Governo está a fazer à nossa comunidade e ao nosso futuro comum. Já perceberam a moral enviesada que pretende castigar o suposto comportamento mandrião do passado e que pretende criar o homem novo.

As críticas violentas à troika ouvidas esta semana no Parlamento por deputados da maioria apenas aparentemente foram feitas ao BCE, à Comissão e ao FMI, foram, sim, direitinhas ao Governo. Foi o maior acto de contestação interna desde o episódio da TSU.

É tempo de as pessoas do PSD e do CDS que sabem para onde o Governo nos está a levar assumirem as suas responsabilidades e mostrarem que há gente patriota e com sentido de Estado nos dois partidos da coligação. Chega de medo. Os partidos e sobretudo Portugal precisam como nunca de gente corajosa.

2. Não é propriamente novidade para ninguém que os candidatos às câmaras municipais pelo PSD irão tentar falar o menos possível da governação. Mais, ninguém ficará surpreendido se desatarem a criticar violentamente o Governo. Agora ver candidatos às principais câmaras do país, e até um ex-presidente do partido, a não colocar o símbolo do partido nos cartazes de campanha é, no mínimo, faltar ao respeito à história do PSD e aos seus militantes. Apesar destes fatídicos últimos anos o PSD tem uma história de que se pode orgulhar tanto no governo do país como na gestão autárquica. (DN)

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