Por: José Niza
Se não me engano quem inventou a expressão “direito à indignação” – certamente num dia em que estava indignado – foi Mário Soares. E se há uma coisa que não falta em Portugal é indignação: trata-se não só de um bem essencial, como ainda por cima é de borla.
Para uma multidão de portugueses a indignação é um estado permanente de alma, um ritual adrenalínico, uma ejaculação de bílis, um exercício de estimulação das cordas vocais e de gritaria, que se mede em decibéis, gestos descontrolados, manguitos e esgares tipo filme de terror.
A verdadeira indignação tem sempre e obrigatoriamente um destinatário, um alvo, um objecto, uma intenção. A indignação, ou é explícita, pública e real, ou então não passa de uma reles imitação.
Uma pergunta que ao longo de séculos – já mesmo antes de Jesus Cristo – a História tem colocado é: Para que serve a indignação?
Verdade seja dita a ciência ainda não foi capaz de desvendar este mistério, facto que aliás muito tem contribuído para a indignação de montes de cientistas.
Coisa mais simples é classificá-la por géneros, uma vez que são muitos e variados os tipos de indignação, desde um simples “porra” até uma facada nas costas do lado do coração. A indignação é um fenómeno transversal a toda a sociedade. E, como o sarampo, atinge democraticamente toda a gente, novos, velhos, ricos, pobres, homens e mulheres, gays e lésbicas. Sim, porque lésbicas e gays também têm direito à indignação. Ou não é?
Reconheço que isto não é assim tão simples de explicar. E, o melhor, é dar alguns exemplos.
Exemplo 1 – Um condutor está parado num semáforo. Quando o verde acende continua parado porque o carro à frente dele não avança: “Sua cavalgadura, sua grande besta”, é o mínimo de indignação que acontece numa situação destas.
Exemplo 2 – Num derby de futebol em que o homem do apito dourado perdoou um penalti ao clube do senhor Pinto da Costa, salta um indignado grito do meio da bancada: “Ó filho da p… vaimazé robar pástrada!”
Exemplo 3 – Campanha eleitoral que se preze, e que não tenha bocas indignadas quando os candidatos vão aos mercados e feiras, não é campanha nem é nada: “Vão trabalhar, malandros!”
Exemplo 4 – Há também a indignação sindicalizada – sobretudo a da CGTP do indignado chefe Carvalho da Silva – que vem para a rua com grandes cartazes, empunhados por indignados manifestantes a chamar nomes ao Primeiro Ministro e à mãe dele, coisa que, aliás, já acontece desde D. Afonso Henriques, que também chamou nomes à sua mãe, dona Teresa, o que na altura deu no que deu!
Exemplo 5 – É também obrigatório não esquecer os indignados do sexo, como o sr. Silva, que aos fins de semana dava umas facadas no sagrado matrimónio e que, uma destas noites, perdido da cabeça e indignadíssimo, gritava para quem o quisesse ouvir: “Afinal, a gaja era um travesti ”!
Exemplo 6 – Mas os piores de todos são os indignados de nascença, como é o caso do deputado Pacheco da Marmeleira, mediático indignado que faz da sua permanente indignação o combate de todos os dias e o azimute da sua vida, aliás com os brilhantes resultados que se conhecem.
Exemplo 7 – Muitos indignados doentes preferem morrer ao pé de casa do que serem tratados num hospital decente. Quem não se lembra do indignadíssimo presidente da câmara da Anadia que conseguiu mediatizar a sua indignação em tudo o que eram televisões e mandar o dr. Correia de Campos pela borda fora? E tanta foi a indignação que até ganhou as eleições. Santa indignação!
Exemplo 8 – A propósito de Santos – e “ last, but not the least” – seria imperdoável esquecer a santa indignação de Sua Eminência o Cardeal Patriarca – e dos católicos em geral – para com sua excelência o Presidente da República, por o mais alto magistrado da Nação não ter vetado os casamentos gay. Até porque foi para isso que votaram nele.
Perguntarão os leitores: E você? Não se indigna?
Claro que sim! Querem ver?
- Mais do que indignado com a GALP porque, enquanto em Maio o barril de petróleo desceu 17%, a gasolina só baixou 2%!
- Indignadíssimo com o governo e com as palhaçadas cegas e surdas da Autoridade da Concorrência – que não tem autoridade, nem sabe o que é concorrência – por nada fazerem para pôr cobro aos desmandos da GALP.
- Indignado também com a ganância dos bancos, que pagam meio por cento pelos depósitos a prazo para depois emprestarem esse dinheiro a vinte e cinco por cento ou mais. “Et vive la crise”!
- Indignado, mil vezes indignado, com a irresponsabilidade criminosa da BP ao provocar o maior desastre ecológico de que há memória.
- E, finalmente, indignado com o director de O Ribatejo por não me dar mais espaço para gritar todas as minhas indignações!
in ( O Ribatejo)
1 comentário:
Caríssimo José Niza
Quase teria de dizer que não valeu a pena o seu "artigo". Mas como não se esqueceu das suas próprias indignações, vá lá, vá lá..., tenho de lhe dar razão.
UM SEU LEITOR
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