18 março, 2011

Presidente

José Niza

O discurso que há dias o Presidente da República dirigiu ao País tem o suporte da legitimidade eleitoral que lhe foi conferida pelas eleições de Janeiro. Mas carece de legitimidade moral.
Em política – como na vida – não basta dizer coisas; é preciso que quem as diz tenha autoridade moral para as poder dizer.
Cavaco Silva fez uma campanha eleitoral em que apregoou os valores e os benefícios da estabilidade política e de um comportamento institucional isento e politicamente solidário. Foi ele, aliás, que contribuiu de forma decisiva para o entendimento entre o PS e o PSD que viabilizou a aprovação do Orçamento, e cujos méritos elogiou, não obstante tratar-se de um conjunto de medidas a doer que agora censura.
Só por isto, o título do seu discurso na tomada de posse poderia ser "O elogio da incoerência".
Mas, pior ainda, foi o facto de o Presidente ter intencionalmente ignorado que neste mundo globalizado – para o bem e para o mal – Portugal e a economia portuguesa estão totalmente dependentes do que se passa no exterior, seja na Europa, seja à escala mundial. Ao ignorar ostensivamente a existência de uma crise internacional com a intensidade do tsunami japonês, Cavaco Silva está – talvez sem disso ter consciência – a identificar-se com a doutrina salazarenta do "orgulhosamente sós". É que há discursos nos quais, às vezes, são mais gritantes as omissões do que as afirmações. E foi isso que o Presidente fez para poder imputar ao governo a totalidade da responsabilidade pela situação actual, furtando-se assim a assumir a sua quota parte.

Falemos então da legitimidade moral de Cavaco Silva. Isto é, da falta dela.
Enquanto ministro das finanças de Sá Carneiro, o actual Presidente deixou o País num caos financeiro. É bom recordar que, em 1983, o PSD saiu do governo pela mesma porta por onde, de imediato, o FMI entrou. E coube a Mário Soares e a Ernâni Lopes a ingrata tarefa de apertar o cinto aos portugueses. E de tal forma foi o aperto que, dois anos depois, Cavaco voltou ao governo, desta vez como Primeiro-Ministro. E governou dez anos.
Governou?
O Presidente que hoje tanto fala do mar não foi o Primeiro-Ministro que afundou a maior parte da nossa frota pesqueira a troco de um prato de lentilhas?
O Presidente que hoje tanto defende a agricultura não foi o Primeiro-Ministro que durante anos distribuiu milhões e milhões para que os agricultores portugueses deixassem as terras e abandonassem as culturas para comprar jeeps e casas no Algarve?
O Presidente que hoje tanto exige a redução das despesas do Estado não foi o Primeiro-Ministro que engordou a função pública com mais de 70 mil novos funcionários, entre os quais uma legião de laranjinhas?
O Presidente que agora incita os jovens a irem para a rua protestar não foi o Primeiro-Ministro que os apelidou de "geração rasca"? (Há aqui uma diferença: é que "geração rasca" é um insulto; e "geração à rasca" é um grito de protesto).
O Presidente que agora defende – e bem – que as nomeações para cargos do Estado deverão ser feitas por mérito pessoal e não por favorecimento partidário, não foi o Primeiro-Ministro que levou para os seus governos a escória laranja que constituiu o gang do BPN? E não foi essa corja que depois lhe agradeceu com negócios de acções e casas de praia?
O Presidente que, neste discurso, faz a apologia do falar verdade, não é o mesmo Presidente que mentiu aos portugueses quando, em período eleitoral, acusou o governo de andar a escutar a presidência, e que até hoje nunca o assumiu?
Como escrevi no princípio, não basta dizer coisas; é preciso que quem as diz tenha autoridade moral para as poder dizer.

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