27 novembro, 2009

Jose Niza


Com uma vénia ao antigo camarada da Guerra de África

Por: José Niza

O que em Portugal se está a passar com a Justiça é insuportável e intolerável.
Insuportável, pela lentidão com que a Justiça se arrasta, seja para investigar e levar a julgamento um simples caso do quotidiano, seja para dar resposta a processos complexos ou com implicações sociais, económicas ou políticas.
Insuportável – sobretudo – pelas sistemáticas violações do segredo de justiça e pelas fugas de informação para os jornais. Nunca se sabe como. Mas, em muitos casos, sabe-se porquê.
Intolerável, porque quando ao fim de anos, os cidadãos – culpados ou inocentes – são finalmente levados a tribunal, já foram previamente julgados e condenados pelos jornais, pelas televisões e pela opinião pública.
Insuportável, porque quaisquer que sejam as sentenças, os réus já ficaram marcados pelo ferrete dos julgamentos mediáticos, populares ou populistas. Se houver absolvições, já não serão notícia, já ninguém lhes devolverá o bom nome, já ninguém lhes pedirá desculpas.
Intolerável porque, acontecendo tudo isto, não acontece nada.
Ouvimos – perplexos – o Procurador Geral da República a afirmar que é impossível acabar com as violações do segredo de justiça e com as fugas de informação. Traduzindo estas afirmações para português corrente, o que o Senhor Procurador nos disse foi esta coisa simples e terrível: não é possível evitar que juízes, magistrados, polícias, investigadores, advogados – pelas formas mais diversas e pelas razões mais obscuras – quebrem o dever sagrado do segredo profissional e o sigilo das investigações, para tudo entregarem aos jornalistas. A troco de quê? A que preço? Esta cumplicidade suja entre agentes da justiça e jornalistas sem escrúpulos, reproduz hoje, na nossa democracia, a forma como os informadores e a PIDE trocavam os seus serviços. Não há almoços grátis.
Assistimos todos – cada vez mais acomodados e cada vez menos indignados – às inexplicáveis paralisações das investigações em casos do maior relevo.
O caso Freeport – é bom recordá-lo – nasceu de uma denúncia falsa congeminada pelo chefe de gabinete de Santana Lopes (então Primeiro Ministro) e por um inspector da Judiciária, com o indesmentível objectivo de destruir a imagem eleitoral de Sócrates, e ainda se arrasta ao fim de cinco anos. Sócrates ganhou entretanto duas eleições. Mas não consegue libertar-se da perseguição dos media e de alguns políticos ressabiados. Em Inglaterra o caso já foi arquivado. Em Portugal parece estar em hibernação. Para, provavelmente, ressurgir na Primavera.
O processo Casa Pia arrasta-se penosamente há meia dúzia e anos. Os suspeitos de pedofilia já foram mil vezes acusados e condenados ao massacre público. Como é possível ter fugido para as mãos dos jornalistas tanta informação, tanta acusação, tanta condenação, tanta calúnia? E como é tolerável que ao fim de tanto tempo não haja ainda um veredicto do tribunal?
O processo dos sobreiros de Benavente envolveu três ministros do governo de Santana Lopes. A autorização para o abate de milhares de árvores protegidas teve três assinaturas: Nobre Guedes e Telmo Correia (CDS) e Costa Neves (PSD). Dois deles são hoje deputados. Alguns anos passados, ainda está para se saber se o Grupo Espírito Santo pagou luvas a alguém para se edificarem vivendas onde havia sobreiros. Algum dia se saberá?
O caso dos submarinos comprados por Paulo Portas, enquanto ministro da Defesa, continua submerso. Há anos veio a público que a empresa alemã que vendeu os submarinos a Portugal tinha depositado um milhão de euros numa conta bancária que o CDS teria em Londres. Será que a investigação se afundou juntamente com os submarinos e com o dinheiro?
E a “Operação Furacão”, que já dura há anos e onde estão registados muitos ilustres nomes da finança portuguesa? E o caso BPN, onde estão envolvidos antigos ministros de Cavaco Silva? E o escândalo do BPP? E, agora, o polvo da “Face Oculta”?
Diziam os “Gato Fedorento” que “eles falam, falam, mas não os vemos fazer nada…” Não há Juiz do Supremo, nem Procurador da República, nem magistrado do Ministério Público, nem juiz de comarca, nem advogado, nem sindicalista judiciário, nem oficial de diligências, que ao ver uma câmara de TV, ou um microfone, não seja atraído como uma borboleta para a luz. Dizem o que lhes vem à cabeça, respondem a sério a perguntas estúpidas, respondem com alguma estupidez a perguntas sérias, atacam o Governo, desculpam-se uns com os outros, prometem coisas e prazos que não cumprem…
Para os criminosos, o crime compensa. Para os inocentes, a justiça tarda. Mas que raio de Justiça é esta?
(O Ribatejo)

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