17 setembro, 2011

Penso logo insisto – O palhaço insular

Ser palhaço é uma arte nobre, comovente, hilariante. A vida de um palhaço é fazer palhaçadas. Seja à frente de uma câmara de televisão, ou de um microfone domesticado, seja num comício em Câmara de Lobos, ou num desfile de carnaval.
Todos os anos, nos cortejos do entrudo funchalense, lá está ele, o palhaço folião. De charuto cubano de palmo e meio, vermelhusco, diatadorzinho parolo a tempo inteiro, careca, populista, ébrio de excitação, demagogo, fala-barato, ridículo, rezingão. Lá está ele. A rir-se. De quê?
No aeroporto de Santa Catarina há letreiros a informar quem chega: “Aqui, na Madeira, não há oposição”. E é verdade. Não há mesmo. A sério, nunca houve. Apenas alguns resistentes rabugentos que ao fim de trinta anos ainda não conseguiram convencer ninguém. E muito menos remover o dito cujo do palhácio.
Para memória futura, e para que conste, o homem é senhor doutor e formou-se em Coimbra. Dizem as más línguas que o tempo que lá andou dava para tirar dois cursos. Mas só tirou um. E mesmo assim, à rasca.
Naqueles tempos, em Coimbra, havia uma geração de gente que pensava e fazia pensar os outros: Manuel Alegre, António Barreto, Rui Vilar, Eurico Figueiredo, Carlos Candal, Lousã Henriques, Proença de Carvalho, José Carlos de Vasconcelos, Fernando Assis Pacheco, o Zeca, o Adriano, tantos.
Mas, nas memórias académicas, só consta que o insular boémio se notabilizou por ter um especial tropismo para o sumo de uva fermentado.
Por estranhos acasos do destino – e por culpa do 25 de Abril – várias vezes entrámos em colisões frontais.
A primeira foi no tempo em que existiam os chamados “Conselhos de Informação” para a RTP, RDP e ANOP, aos quais competia garantir a democracia mediática. Um dia fomos à Madeira. E, para nos humilhar, o insular anfitrião recebeu-nos no seu palhácio vestido de pijama e robe! De imediato, reagi: descalcei os sapatos e atirei as meias para cima da carpete do salão. Ficámos assim empatados 1 a 1.
Outra desafinação aconteceu quando eu era director de programas da RTP e tinha sob a minha responsabilidade os centros regionais da Madeira e dos Açores. O homem – habituado a mandar e a ser obedecido – exigia-me duas coisas: 1ª- Ser ele, e não eu, a mandar na televisão madeirense; 2ª – Que eu lhe oferecesse um carro de exteriores, que custava um balúrdio, para que as suas diárias deslocações e inaugurações pudessem ser transmitidas em directo na TV. Penso que, até hoje, ainda está em lista de espera.
Outra colisão – e para terminar – passou-se nos anos 90 quando eu era deputado. Um belo dia recebi na Assembleia da República uma carta e um vídeo vindos da ilha das flores e oferecidos pelo seu patrono.
A cassete vídeo era fogo de artifício de propaganda: pontes, estradas, viadutos, obras, jardins dez vezes inaugurados, bandeiras empunhadas por figurantes contratados. Ceausescu não faria melhor. Educadamente escrevi-lhe a agradecer a oferta: “Fico muito agradecido a Vossa Excelência, mas preferia menos viadutos e mais democracia”. A resposta não se fez esperar: não foi uma daquelas cartas que explodem… mas andou lá perto.
Não fossem os 550 milhões de euros de buraco nas finanças madeirenses e, provavelmente, não me teria ocorrido escrever isto.
Numa ilha de 250 mil habitantes a carnavalesca criatura conseguiu arejar 550 milhões. Se a mesma demência gastadora fosse aplicada ao continente, em proporção, daria a módica quantia de 22 mil milhões, 40 vezes mais!
O leitor sabe o que são 22 mil milhões? Eu cá não sei.
Mas há uma coisa que eu sei: é que não há carnaval sem 4ªfeira de cinzas.

José Niza

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