22 setembro, 2009

Cavaco Silva

Cavaco Silva

Limpar as mãos à parede não resolve

“Cavaco conhecia Fernando Lima desde 1985. A demissão do seu assessor não o iliba. O Presidente está obrigado a justificar-se ao país

A cabeça de Fernando Lima, o histórico assessor do Presidente da República, rolou ontem com estrondo. Na véspera, Marcelo Rebelo de Sousa já antecipara o desfecho: Lima iria receber um puxão de orelhas por ter sido a fonte anónima que lançara o rumor de que Cavaco Silva se achava espiado por Sócrates. Até prova em contrário, é mesmo um rumor - um rumor tão grave que exigiu mais do que o infantil puxão de orelhas. O despedimento do frágil Fernando Lima era mesmo a única saída possível.

Mas a saída encontrada tardiamente por Cavaco para limpar as mãos não é ainda uma solução definitiva. Nem definitiva, nem politicamente aceitável. Para já, Cavaco só limpou as mãos à parede. A cinco dias das eleições, o país atravessa uma grave crise institucional. O despedimento do assessor - uma figura que ainda pode revelar-se menor neste golpe palaciano - trava a hemorragia. Mas a ferida entre o Presidente e o primeiro-ministro exige mais explicações.

É verdade, Cavaco Silva distanciou-se do assessor, cortou finalmente a ligação à notícia publicada em 18 de Agosto pelo "Público". No entanto, os 35 dias - trinta e cinco! - em que, aparentemente, esteve de braços cruzados regou de pólvora o país e serviu de amparo a todas as especulações, inseguranças e medos. Todos os partidos beneficiaram desta armadilha em plena campanha eleitoral. O ar ficou ainda mais irrespirável.

O silêncio em política equivale a confirmação. Foi isso que Cavaco fez nestes inacreditáveis 35 dias: confirmou todas as dúvidas. Ao agir assim, não foi Presidente, foi cúmplice. Ao optar por usar meias palavras - legitimando a tese das escutas -, o Presidente afectou o seu papel de árbitro. Desprezou o mandato que lhe foi atribuído pelos portugueses. Menosprezou a justiça. E, finalmente, deliberadamente ou não, desferiu mais um golpe na seriedade do primeiro-ministro. As nódoas não sairão tão depressa. Nem a que tinge a reputação de Sócrates, agora no papel de vítima, nem a que agora esburaca a credibilidade de Cavaco Silva.

Restam duas alternativas para que o Presidente ainda consiga sair do pântano. E ainda pode sair. Ou prova que houve, de facto, escutas - neste caso, a demissão do assessor é apenas um sinal de censura quanto ao método usado por Fernando Lima para filtrar a notícia - ou então demonstra que, no instante em que o rumor saiu nas páginas do "Público", abriu um inquérito interno para descobrir quem tinha sido a toupeira desmiolada a lançar suspeitas infundas na praça pública sem autorização e sem factos que a sustentassem.

Não basta a Cavaco dizer que abriu um inquérito interno para apanhar a fonte anónima. Será preciso mais. Um caso desta dimensão exige provas documentais, registos internos do que se fez e deixou de se fazer no Palácio de Belém. Chegado aqui, o presidente não pode assobiar para o lado. O país quer escutá-lo e tem a justa esperança de que afinal ele seja tão sério e sólido como o país precisa que ele seja. “
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