1. A semana passada trouxe-nos fortes sinais de que a Europa está a mudar. Os
europeus, dos vários Estados, perceberam, finalmente, que as políticas de
austeridade, para agradar aos mercados usurários, não nos conduzem a nada de
bom. Levam os Estados europeus e a Europa da zona euro à desagregação e à
decadência. A chanceler Merkel sentiu, finalmente, que os seus parceiros
europeus não só não querem obedecer-lhe - como sucede desde há cerca de três
anos - e, pelo contrário, começam a conspirar contra a sua política, procurando
reduzir a recessão, que paralisa a economia real, em favor da virtual, e
aumenta, por forma socialmente inaceitável, o desemprego.
Já não são só a Grécia, a Irlanda e Portugal as vítimas dos mercados e das
perigosas agências de avaliação. Também o são países grandes como a Espanha e a
Itália, e outros pequenos mas ricos, como a Holanda, cujo Governo caiu, e a
Roménia, cujo Governo foi deposto e substituído por um novo primeiro-ministro
socialista. E outros, que começam a estar em dificuldades, como a Eslováquia, a
Eslovénia, a República Checa e a própria Finlândia. Com um panorama tão sombrio
e num tal contexto, a chanceler Merkel, com problemas internos que se estão a
agravar e uma Oposição a crescer - tanto a Social Democracia como os Verdes -
parece óbvio que vai ter de mudar de política: em vez da austeridade usurária,
que até agora considerou bem-vinda nos outros Estados - não na Alemanha - terá
de aceitar a luta contra a recessão e, igualmente, contra o desemprego.
A "conspiração" dos Estados acima referidos iniciou-se numa reunião de
socialistas, sociais-democratas e democratas progressistas, que teve lugar em
Roma e como referência a próxima vitória (mais do que provável) de François
Hollande em França que, apesar dos desvarios de Sarkozy, continua um país chave,
em termos europeus.
Entretanto, o Reino Unido entrou também em recessão, muito perigosa por
sinal. E os Estados Unidos, pela voz de Ben Bernanke, presidente do banco
central americano, manifestaram-se muito inquietos - e percebe-se bem porquê -
pelos perigos do contágio da recessão agora vinda da Europa.
São as tristes ironias desta globalização desregulada, da ideologia
neo-liberal e da crise global, que se desencadeou na América do Norte, contagiou
a União Europeia e, em menor escala Estados de vários continentes e agora os
americanos têm medo que volte a atacar os Estados Unidos. Como diz o Povo, quem
semeia ventos colhe tempestades...
2. França vai a votos E, naturalmente, a Europa está inquieta. Porque a
França foi um dos países fundadores do projeto europeu, para não dizer o
principal, e, não obstante estar hoje em crise, financeira, económica, política
e social, continua a contar muito - como uma referência política e histórica -
em termos europeus.
Curiosamente, as eleições presidenciais - e a França é um Estado
semi-presidencial - terão lugar em 6 de maio, o mesmo dia em que a Grécia terá
também eleições legislativas, por sinal dificílimas.
Depois da primeira volta - e da vitória de François Hollande sobre Nicolas
Sarkozy - por escassa margem, mudou bastante a psicologia dos europeus. Não pelo
contraste das figuras dos dois candidatos rivais na segunda volta - que é
abissal - mas pela votação inesperada que tiveram Marine Le Pen, da Frente
Nacional, e Jean-Luc Mélenchon, da Frente de Esquerda. Porquê? Porque Marine Le
Pen teve um excelente e não previsto resultado, cujos votos, embora da
extrema-direita, não se espera que vão favorecer Sarkozy; enquanto que os votos
da Esquerda que teve Mélenchon vão, na segunda volta, passar-se na quase
totalidade para Hollande.
Além disso, François Hollande teve o discernimento político - que Sarkozy
nunca compreendeu - de que todos os Estados da zona euro dependem do futuro da
União, a qual deve mudar. Como ele disse com toda a clareza, para que o projecto
europeu não se desagregue e entre em irremediável decadência. Por isso resolveu,
com inesperada audácia, contribuir para mudar a União Europeia e a ajudar a sair
da crise.
Sarkozy, durante todo o seu mandato, tem sido um bailarino político, sem
princípios nem valores. Defende tudo e o seu contrário, tanto em política
interna como externa. E aceitou ser uma espécie de lacaio de Angela Merkel. A
maioria dos franceses passaram, como é óbvio, a não o suportar e votaram
anti-Sarkozy, antes de qualquer outra escolha. Por isso, há uma grande
probabilidade de não ter um segundo mandato. Daí a posição inequívoca de Marine
Le Pen, quando, na primeira fase das eleições presidenciais, lembrou que
proximamente haverá eleições legislativas, que para o futuro da Frente Nacional
- e dela própria, Madame Le Pen - são decisivas. Sarkozy que lhe quis "comer" o
eleitorado - tornou-se mais à Direita do que a própria Senhora Le Pen. E, assim,
não pode permitir-se que, especialmente neste momento, o eleitorado da Frente
Nacional se passe para Sakozy. O qual Sarkozy, para de algum modo o conseguir,
fez tais piruetas, que deve ter perdido também uma parte do eleitorado do
centro.
O escritor e politicólogo francês Bernard-Henri Lévy publicou um grande
artigo no El País em que expressa o seu temor por Marine Le Pen poder
vir a ser, no futuro, o árbitro do jogo político francês. Penso que não será
assim, embora ela o deseje. O fenómeno da Direita extrema que representa sempre
foi e é circunstancial. E a vitória de François Hollande vai varrer todas essas
preocupações. Vai ajudar a mudar de paradigma, para acabar com a crise. O que
cria um clima novo na França e na Europa. Assim o espero.
3. E Portugal? Os portugueses estão muito descontentes e temerosos. O caso
não é para menos. Com a troika a comandar - em nome dos mercados - grande parte
dos portugueses, os trabalhadores e parte da classe média perderam os seus
empregos e estão a passar muito mal, alguns com fome. Os suicídios cresceram,
bem como a criminalidade. Portugal, com uma história tão gloriosa e sendo o mais
velho país da Europa, com as mesmas fronteiras, tornou-se numa espécie de
protetorado. O que não pode agradar a nenhum patriota que se preze. Dizem-nos,
os neoliberais, que se trata de uma inevitabilidade. Ora em política não há
inevitabilidades. Há boas e más políticas: tudo depende da vontade e da
inteligência dos eleitores, nas democracias, claro. Mas as conjunturas mudam,
quando as pessoas assim querem.
A austeridade, como se está a reconhecer agora em toda a zona euro - mesmo no
Reino Unido -, não nos leva a lado nenhum. A não ser, para os que a sofrem, cada
vez a pior. As próprias instituições europeias começam a reconhecê-lo. O
presidente europeu, Van Rompuy, convocou uma cimeira - pela primeira vez - para
lutar contra a recessão e o desemprego, sem o que, com ou sem austeridade,
entraremos em irremediável decadência. No mesmo sentido o americano Spencer
Oliver, secretário-geral da Assembleia Parlamentar da Organização de Segurança e
Cooperação na Europa (OSCE), de visita ao Algarve, deu uma larga entrevista ao
jornal Barlavento em que afirmou: "a crise financeira foi provocada
pela ganância de Wall Street". E que para a vencer é preciso, como demonstrou o
Presidente Obama, de que é correligionário, lutar contra a recessão, o
desemprego e em favor do Estado Social. Cito-o de novo: "As críticas devem ser
apontadas aos sistemas financeiros, aos resgates e aos estímulos que canalizaram
avultadas somas para salvar muitos banqueiros, que foram os primeiros
responsáveis pela actual situação."
O Governo português é democraticamente legítimo porque resultou do voto
popular. Nesse sentido, deve ser respeitado. Mas não está isento de críticas.
Pelo contrário. Dado que os seus dirigentes, na sua maioria, são convictos
neoliberais, só vêem a austeridade, ignorando - o que pode vir a ser trágico - a
recessão, o inaceitável desemprego, sempre a crescer, e o desespero em que se
encontra a maioria dos portugueses. O Governo que se acautele porque, como disse
acima, está a remar contra a corrente europeia. Além disso, está paralisado, não
explica ao Povo as medidas que toma nem as privatizações que pretende fazer e,
por isso, está cada vez mais isolado...
4. Parabéns Diário de Notícias. Apesar de colaborador do DN, procuro
ser imparcial. No entanto, o DN de domingo passado lançou um dossier
completíssimo intitulado "Fraude no Banco Português de Negócios", com 19
páginas, que merece ser lido e estudado. Segundo o DN, a fraude pode custar 8,3
mil milhões de euros. O diretor, João Marcelino, escreveu um corajoso editorial
que intitulou "A promiscuidade e, claro, o roubo".
Diz mais: "Que se trata de facultar aos leitores o máximo de informação
possível sobre o caso, para que todos possam formar a sua opinião." E
acrescenta: "Para isso recorremos a inúmeras conversas, à consulta de milhares
de documentos, num trabalho que levou meses a ser executado." E a terminar: "O
verdadeiramente fundamental é que, em qualquer circunstância, se apure no plano
judicial tudo aquilo que houver para apurar." Não é tolerável, com efeito, que
na sociedade portuguesa continue a fazer caminho a perigosa ideia de que a
Justiça é cega e incapaz de agir perante os poderosos.
É aqui que está o busílis. A criação do BPN começou em 1983, a Sociedade Lusa
de Negócios, em 1988. Em 2007 o Banco de Portugal pediu ao Grupo SLN/BPN que
clarificasse a sua estrutura e procedesse à separação das duas instituições. Aí
começaram as dificuldades. Em 2008 Miguel Cadilhe foi eleito presidente do
Grupo. E numa entrevista que deu ao mesmo Diário de Notícias de domingo
passado, diz, com a sua autoridade - cito - "O que se passou no BPN é a maior, a
mais continuada e ostensiva fraude na banca portuguesa." E, no entanto, a
Justiça parece estar cega e silenciosa perante as personalidades que são
referidas como responsáveis dos abusos e também praticadas pelo BPN. Algumas
delas, como se escreve no referido DN, na mais alta esfera do Estado, como o
actual Presidente da República.
Ora a Justiça não pode manter o silêncio sobre tais acusações. Porque se o
fizer está a dar um golpe fatal no pouco ou nenhum prestígio que a Justiça ainda
possa ter. O que é gravíssimo para o nosso Estado de Direito e para a nossa
Democracia. Sobretudo no período de emergência que temos tido e com os golpes
profundos nas pensões e nos empregos dos nossos trabalhadores e da classe
média... O Ministério da Justiça tem o dever de atuar. (
DN)