Por: José Niza
1 “É garantido o direito à greve”.
Este artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa foi aprovado, por unanimidade, em Setembro de 1975 na comissão dos Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais à qual eu presidia. Foi uma festa nesse dia: ao fim de 48 anos de ditadura os trabalhadores portugueses tinham finalmente o direito a fazer greve.
Passaram 35 anos.
m Abril passado houve 28 greves e 19 manifestações. A maioria das greves ocorreu no sector dos transportes públicos. Mas também nos Correios. E, até, na Assembleia da República!
A Grécia e Portugal são neste momento países acossados por ataques especulativos do sistema financeiro internacional – a mesma máfia que provocou a crise mundial de 2008/2009 – e estão em sérias dificuldades. Paradoxalmente é nestes países que estão a ocorrer mais greves, todas elas, curiosamente, em empresas públicas ou participadas pelo Estado.
Pergunto-me para que servem estas greves. Porque, numa situação como a actual, fazer greves contra o Estado é uma forma de sado-masoquismo laboral, um boomerang que só agrava a situação e em nada ajuda os trabalhadores.
Pergunto-me também, porquê contra o Estado e apenas contra o Estado?
Quando, há 35 anos, votei o artigo 59.º da Constituição, sempre pensei – ingenuamente – que as greves servissem para proteger os trabalhadores da ganância e da exploração dos seus patrões e não para os lançar contra o Estado.
Porque, o Estado, são eles. Porque, o Estado, somos nós.
2 -O senhor Portugal podia ser nos so vizinho, o do 3º esquerdo, por exemplo. É funcionário público, tem um ordenado do escalão médio, subsídio de férias, subsídio de Natal, ADSE. É casado e tem dois filhos.Não era rico, mas com alguns cuidados, conseguia chegar ao fim do mês sem sobressaltos.
Lá no emprego, começou a ver os colegas a passarem férias no Brasil, a comprarem casas e a trocarem de automóveis, a vestirem do melhor. E os filhos, se não levassem para a escola roupas de marca, faziam troça deles.
E assim, a pouco e pouco, o nosso amigo Portugal foi descobrindo que todas aquelas coisas eram possíveis. Começou por comprar um andar. Foi ao banco, eram só facilidades, assinou uns papéis que nem sequer leu e ficou a pagar uma pipa de massa até ao resto da vida.
Depois foi um automóvel novinho em folha, que o antigo já tinha cinco anos e estava fora de moda. Foi ao stand, eram só facilidades, as prestações até eram baratas, assinou uns papéis que nem sequer leu, e ficou a pagar anos e anos.
Veio o Verão e aquelas praias brasileiras das telenovelas eram uma tentação. Foi a uma agência de viagens – naquele esquema do “viaje pimeiro e pague depois” – e comprou 15 dias de férias para toda a família. Quando chegou a casa foi uma festa. Mas quando voltou do Brasil já estavam na caixa do correio os avisos de pagamento da casa, do carro, das férias…
Mas não havia problema, até porque os bancos o assediavam com cartões de crédito. Eram tudo facilidades. Chegava-se a uma loja ou a um supermercado e zás, era trazer do bom e do melhor. Claro que, quando lhe enfiaram o cartão de crédito pela boca abaixo, os do banco se esqueceram de lhe dizer que ia pagar vinte e tal por cento de juros ao ano: um quarto do que comprava era para o banco.
A pouco e pouco a vida do nosso amigo Portugal começou a complicar-se: o ordenado e os subsídos de férias e de Natal já não davam sequer para pagar as dívidas e as prestações.
E aí voltou aos bancos, que até foram simpáticos: emprestaram-lhe mais dinheiro a juros de usura. E, claro, ficando com todas as garantias.
Cercado de dívidas, de prestações, de facturas por pagar, o sr. Portugal foi forçado a pedir novos empréstimos, agora já não para pagar o que devia, mas para pagar os juros do que devia. Até que os bancos lhe levaram a casa, o automóvel, uma parte do ordenado, tudo.
Esta é a triste história do nosso amigo Portugal.
Às vezes estas histórias também acontecem aos países