08 setembro, 2009

Professores – Escolas - Educação

“Chega ao final mais uma experiência de reforma no sector da educação, que poucas vezes terá suscitado tão acirradas discussões e tais reacções sociais.

Cada qual terá a sua apreciação desta gerência e da situação em que nos encontramos. Mas, sobre a ministra Maria de Lurdes Rodrigues - figura central deste processo - só por manifesta cegueira se não lhe reconhecerão três patentes qualidades: inteligência global e aplicada, coragem, autocontrolo pessoal. Outra virtude instrumental, no palco impiedoso onde a política se faz: ter assegurado uma coesão sem falhas na direcção política do seu ministério. Em contrapartida, terá ficado "nas mãos" do PS para assegurar o preenchimento dos postos mais importantes da sua burocracia central e regional - o que é sempre uma má coisa, embora seja vício antigo da nossa democracia. E, logicamente, submeteu-se às conveniências ditadas pelo primeiro-ministro na gestão global da governação.

Quanto às orientações tomadas, julgamos que elas terão sido, no essencial, as necessárias e adequadas para responder aos principais défices do sistema de ensino instalado, possivelmente com excepção, ou dúvida persistente, no que toca aos níveis de exigência apontados para a obtenção do "sucesso escolar" (graus de dificuldade dos exames, modos de progressão, "programa novas oportunidades", etc.), o que é uma questão difícil e certamente não apenas do foro da escola. E houve também a "abstenção" de mexer nos conteúdos curriculares e na organização das disciplinas, que é sempre a tentação de cada novo ministro ou o sentido da pressão que sobre ele exercem as várias "confrarias" académicas, apesar de ser também matéria decisiva.

Como é óbvio, algumas dessas medidas não terão sido as melhores, ou terão mesmo errado o fim a que se propunham, mas, globalmente, era preciso mexer na organização dos tempos escolares e na forma de gestão das escolas, enquadrar os professores num regime mais rigoroso de carreira profissional e de controlo da sua actividade (essencialmente inter pares), concentrar e equipar melhor o parque escolar, alargar a escolaridade "para baixo" (pré-primário) e "para cima" (secundário profissionalizante) - e em cada um destes grandes objectivos foram dados passos concretos e decisivos, embora naturalmente agora sujeitos a correcções de pormenor ou de aplicação.

Num plano, contudo, a gerência de Maria de Lurdes Rodrigues acabou por falhar estrondosamente: no terreno do combate político, onde foi vencida pela coligação dos sindicatos de professores e minorias activas neste meio profissional, partidos de oposição ao Governo, alguns meios de comunicação social e, finalmente, pelo sucesso da estratégia de vitimização dos docentes que aqueles primeiros actores conseguiram empreender com grande eficácia, acabando por criar no seio das comunidades professorais um sentimento de injustiça, orfandade ou mal-estar, próprio para que aderissem em bloco às directivas das suas lideranças sócio-políticas.

É evidente que, num ambiente democrático, uma profunda reforma da instituição escolar não pode ter sucesso sem a participação activa do corpo docente. É também verdade que as escolas viviam sobretudo da competência e empenhamento de um bom número dos seus docentes (alguns deles agora desencorajados), mas não é menos certo que os seus resultados educativos, globalmente insuficientes, derivam, em grande medida, da qualidade do professorado, onde a filtragem da admissão era quase inexistente, a progressão profissional irrestrita, a atomização dos desempenhos a regra, existindo ainda uma excessiva complacência para com uma minoria de profissionais incompetentes e desajustados â função. De certa maneira, o confronto desenvolvido entre a política avançada pelo ministério e a frente sindical dos professores tinha subjacente o conceito de uma profissão procurando estruturar-se, hierárquica e funcionalmente, no espaço do ensino e da organização escolar versus o modelo de uma ocupação massificada, em parte segura do seu emprego e estipêndio (porque há sempre "precários" disponíveis para atender às flutuações conjunturais), essencialmente regulada pelas regras burocráticas da antiguidade e dos concursos documentais nacionais para a atribuição dos postos de trabalho mais apetecidos.

Um governo presidido pela dra. Manuela Ferreira Leite que acumulasse também a pasta da Educação, devido à sua experiência do lugar e pela importância que tem para o futuro do país, ou a sua ocupação pela dra. Ana Benavente, o dr. Santana Castilho ou o professor Mário Nogueira - apenas para citar alguns dos mais encarniçados críticos públicos desta reforma -, separadamente ou em conjunto, que diferente e melhor política educativa poderia propor e realizar, a não ser a co-gestão do imobilismo que marcou a actuação de sucessivos ministros?! Ou alguém terá a coragem de pôr em causa o sistema público unificado de ensino?
No momento presente, uma questão importante parece ser a de como, face à maré eleitoralista e populista, serão conservados ou desaproveitados os esforços dos últimos anos para melhorar o desempenho da educação e a qualificação, humana, cidadã e profissional, da população.» [Público]

 

 

4 comentários:

Anónimo disse...

Acabei de ler o texto do "Público" aqui colocado, e não posso furtar-me a deixar o meu comentário, à semelhança de tantos outros leitores deste blogue.
Não vale a pena abordar todas as questões que o texto levanta. Mas tenho de me referir a alguns pontos.
Lê-se: «chega ao final mais uma experiência de reforma no sector da educação...»
Teria mais cabimento falar-se de tentativa experimentalista, porquanto a experiência não houve, tanto nos responsáveis do Ministério da Educação, que não a possuem, como, em consequência, de e num período em que a competência e o proveito não existiram.
Lê-se também que: Maria de Lurdes Rodrigues é detentora de «inteligência..., coragem e autocontrolo pessoal», qualidades que lhe são apontadas.
Ora, se coragem não lhe faltou, e autocontrolo também tentou mostrar, já a inteligência se apoucou, e de que maneira. Incapacidade? Talvez mais obediência a Sócrates.
Lê-se, ainda, que «as orientações tomadas... terão sido no essencial, as necessárias e adequadas para responder aos principais défices do sistema de ensino instalado...».
Não é preciso saber muito para verificar que o que foi feito não responde a nada do que a frase sugere. Se défices havia, eles aumentaram, nalguns casos assustadoramente. Refiro-me só, para não me alongar, à tão propalada necessidade de estabilidade nas escolas. E em vez de se permitir que os profissionais do ensino tenham a liberdade e o direito de, ano a ano, tentarem aproximar-se das suas áreas de residência, como anteriormente estava estabelecido, e isso, sim, favorecia a estabilidade que apregoaram, em vez disso este governo condenou uma grande parte dos docentes a 4 anos de desterro, muitas vezes a centenas de kms de suas casas, onde cônjuges e filhos sofrem devido às prolongadas ausências do pai e marido ou mãe e esposa, estes a terem de contar com uma parte dos seus ordenados para pagarem o aluguer do quarto onde, nas solitárias noites dos seus desterros se sujeitam ao desespero imposto por quem não soube governar ou governou em forma de ditadura.
Perante isto, pergunto: que estabilidade emocional a destes profissionais? E as escolas beneficiarão efectivamente da necessária assiduidade deles , logo de estabilidade?
Lê-se, também, que «...era preciso mexer na organização... na forma de gestão das escolas, enquadrar os professores num regime mais rigoroso de carreira profissional e de controlo da sua actividade...»
Quem escreve isto pode não estar por dentro da verdade e apenas se baseia na conversa fiada dos ditos responsáveis governamentais. Porque se soubesse da nova realidade agora implementada, talvez escrevesse de outro modo, outra coisa.

Anónimo disse...

(Continuação)
É sabido que as razões fundamentais do governo na questão da educação se prendem com a hipotética poupança, como que a educação seja algo parecido com compras de material de lazer, apetrechamento de parques automóveis... ou de concursos públicos com vista a vultuosos empreendimentos.
Foi de poupança que se tratou. No entanto, e para que se saiba, o governo acabou com os Conselhos Executivos compostos por professores que faziam a gestão das escolas, auferindo os vencimentos correspondentes ao seu escalão como professores.
Pois bem, agora, as chamadas Direcções Executivas, que podem ser e são, geralmente professores das escolas a que pertenciam ou passem a pertencer, o Estado paga-lhes, ao Director, o seu vencimento de professor mais 750 (SETECENTOS E CINQUENTA) euros mensais, e aos seus ditos Assessores os respectivos vencimentos de professor mais 450 (QUATROCENTOS E CINQUENTA) euros. Chorudos suplementos de que os anteriores não beneficiavam. Além disso o nº de pessoas com tais funções é cerca do dobro do que compunha os anteriores órgãos executivos.
Acresce que estes senhores (Directores e Assessores) não são mais competentes do que os anteriores. Poderão, sim, estar menos vocacionados para a profissão de ensinar ou aproveitar a oportunidade de receberem mais uma porrada de contos mensais.
Perante isto, é caso para dizer: que boa mexida na organização das escolas! Isto revelará a inteligência de quem se meteu em experimentalismos! E quanto à poupança? É assim que se chega lá?
Quanto ao «regime mais rigoroso de carreira profissional e de controlo da actividade» dos professores, a que se refere o texto do Público, mais uma vez parece conversa de quem não está ou esteve por dentro dos assuntos.
Se o «regime mais rigoroso» se refere à divisão da carreira dos docentes em titulares e não titulares (não sei se se refere a isso), não vejo aonde possa estar o rigor. O que ressalta dessa mexida é a falta de rigor nos critérios adoptados na consecução de tal medida, que levou a que professores com mais anos de carreira ficassem para trás de colegas mais novos e quiçá com menos experiência relativamente a certos cargos.
De resto todo o processo surgiu malsinado à partida. Não é admissível que todos os professores não tenham a mesma possibilidade de progredir na carreira.
Também não podem ser esquecidos os milhares de docentes com habilitação própria e com 10, 12 e mais anos de carreira, com lugares sempre assegurados, mas continuando na situação de contratados, auferindo vencimentos equivalentes ou até inferiores ao de muitos trabalhadores não qualificados e sem responsabilidades que se assemelhem à dos professores.
Aqui uma vez mais o governo se esqueceu de que a trabalho igual é devido salário igual, violando assim o 23º artigo da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Anónimo disse...

(Continuação)
Do «controlo da sua actividade», fala o texto. Isto terá que ver certamente com a avaliação dos docentes. Ora aqui parece que também se fala sem saber do quê. O governo incutiu na opinião pública a ideia de que os professores são uns bandalhos e que, por isso, tinham de ser avaliados. Não sabia o governo que os professores já eram avaliados há muitos anos. E se sabia usou de má fé para tentar iludir o povo desconhecedor da realidade, pondo-o contra a própria classe docente.
Para terminar, tenho de discordar de uma outra frase do texto: que «os resultados educativos, geralmente insuficientes, derivam em grande medida da qualidade dos professores».
Ora isso é falso. A resposta seria demorada para ser completa. Por isso refiro-me, apenas, como alguém já o fez neste Blogue, aos encarregados de educação, ao ambiente social, à imposição publicitária, ao facilitismo que é inculcado na mente dos alunos, à falta de interesse pelos estudos e, por fim, à obrigatoriedade imposta pelo Ministério da Educação de se passar toda a gente, mesmo aqueles alunos que não o queiram. É sobretudo a isto tudo que se devem os fracos resultados dos alunos.
São estes (e porventura outros) aspectos das várias questões que não podem ser esquecidos quando se fala deste complicado assunto.
NOTA: Não sou professor, mas procuro estar por dentro das questões inerentes a essa classe profissional que merece o respeito de toda a sociedade mas é tão desprestigiada neste momento. Por isso tem o meu apoio.
Como os restantes comentadores também não assino este comentário, para não ferir susceptibilidades.

Anónimo disse...

Comentário com boa intenção, esclarecedor.
Bem haja quem tem paciência para tentar fazer luz neste pobre país onde o obscurantismo de outros tempos se transmutou...
Dantes éramos cegos forçados. Hoje gostamos de o ser.
TANTO TEMPO PERDIDO...!