... não têm direito a nenhum tratamento de favor. Mas também todas as pessoas, incluindo os ex-primeiros-ministros, têm direito a igual proteção da lei, sem nenhuma penalização ‘ad hominem'.
Ora, é lícito duvidar se o tratamento dado a José Sócrates desde a sua detenção obedece a essa elementar norma republicana. Tanto as decisões relativas à detenção e à prisão preventiva, como a escandalosa filtragem seletiva de informação para o exterior (privilegiando a imprensa tabloide de maior audiência), em flagrante violação do segredo de justiça, tudo isso deixa muito a desejar em termos de ‘due process' constitucional-penal, fazendo lembrar as lamentáveis cenas da ilegítima detenção e prisão preventiva do antigo deputado Paulo Pedroso, há uma década.
Começando pela detenção de Sócrates, era ela necessária para assegurar a prestação declarações perante o juiz de instrução? Tinha algum sentido ir deter José Sócrates no aeroporto à saída do avião, quando bastava esperá-lo discretamente à porta de casa, se se temesse pela salvaguarda de elementos de prova? E era mesmo preciso avisar previamente as televisões mais sensacionalistas e arranjar aquele "estardalhaço" mediático no aeroporto de Lisboa para todo o mundo ver?
A PGR apressou-se a esclarecer que a detenção se devia a suspeitas de vários crimes. Mas obviamente não bastava anunciar em abstrato os tipos penais de que Sócrates é suspeito, dando pasto às mais mirabolantes, odientas e assassinas especulações, como se verificou ao longo de vários dias (curiosamente, porém, sem a mínima substanciação da alegada corrupção, o que não deixa de ser intrigante). Era obrigatório saber-se em que atuações concretas consistem as suspeitas, a que época se reportam e nomeadamente se envolvem responsabilidades como governante ou não e se têm a ver com dinheiros públicos ou não. Num Estado de direito, os suspeitos têm pelo menos o direito de não serem expostos à condenação e lapidação sumária em público, antes mesmo de serem presentes ao juiz e muito menos antes de haver acusação.
O mesmo padrão se observa no decretamento da prisão preventiva, que não pode ser uma medida discricionária e que só pode ser aplicada como última instância, quando outras "medidas de coação" de mostrem comprovadamente insuficientes. Ora, as razões invocadas, nomeadamente o perigo de perturbação do inquérito - conceito assaz indeterminado -, estão longe de ser convincentes para justificar a grave privação do direito à liberdade e ao trabalho dos detidos. A comparação com o recente caso da liberdade caucionada de Ricardo Espírito Santo é chocante.
Não surpreende a sede de vingança do sindicato de ódios que o antigo primeiro-ministro concitou com a supressão de regalias profissionais e corporativas, desde os jornalistas aos magistrados. Não admira o desforço da imprensa tabloide que ele olimpicamente ignorou e enfrentou sem nenhuma condescendência. Mas, por maior que seja a sua eventual responsabilidade penal, que está por apurar, nada pode justificar a sua ostensiva exposição à humilhação pública por parte das autoridades judiciárias.