“”O Papa Francisco foi considerado - e bem, quanto a mim - o Homem do Ano. Suponho que só aconteceu com três papas, o último dos quais foi João Paulo II.
O anterior, Bento XVI, teólogo alemão de grande inteligência e de uma preparação cultural invulgar, não foi capaz de pôr na ordem um Vaticano onde a corrupção reinava, bem como a pedofilia.
Foi por essas duas razões, além de outras, julgo, que Bento XVI resignou. Tendo sido eleito o atual Papa Francisco. Eram, aliás, amigos desde há algum tempo, entendiam-se e entendem-se muito bem.
O Papa Francisco (não Xavier, apesar de jesuíta, mas Assis, de franciscano), ao contrário do que se poderia julgar, desde os primeiros passos tornou-se um Papa muito ativo e extraordinariamente popular.
Sendo argentino de nascimento - é o primeiro Papa não europeu - viveu em Itália e fala corretamente italiano.
E também na Alemanha, onde Ratzinger antes de ser Papa o conheceu.
Bento XVI, com a sua argúcia, teve suficiente tempo para conhecer o Vaticano, a corrupção reinante e os abusos pedófilos e outros que por lá se passavam. Mas como grande intelectual achou que não era ele a pessoa indicada para transformar e pôr na ordem o Vaticano e os respetivos cardeais e bispos.
O jornal catalão La Vanguardia publicou um dossiê intitulado a "Geopolítica da Santa Sé", de setembro de 2013, que vale a pena ler. Nele se diz que o Vaticano se chama Santa Sé, que tem 450 funcionários permanentes e é tão importante que poucos Estados podem dar-se ao luxo de a ignorar. São eles o Afeganistão, o Butão, a China, a Coreia do Norte, Omã e a Arábia Saudita.
Recorde-se que foi o Papa polaco Karol Wojtyla (João Paulo II), que eu acompanhei quando esteve em Portugal, que contribuiu para a queda do comunismo. E note-se também que a revolução pacífica que o Papa Francisco está a fazer na Santa Sé vai torná-la muito diferente e melhor. O Papa Francisco é uma personalidade bem-disposta que ama os pobres e gosta de falar não só com os crentes como também com os não crentes, cuidando especialmente dos pobres e sobretudo dos sem-abrigo, que, como se sabe, convidou para um pequeno--almoço.
Gosta igualmente de falar com crentes de outras religiões, sejam judeus, protestantes, muçulmanos ou budistas e também com os não crentes. É, além disso, argentino, sendo a América Latina uma das regiões do mundo com maior número de católicos.
O Papa Francisco tornou-se em poucos meses uma personalidade religiosa excecional. É hoje visto como um dos mais esperançosos Papas da Igreja Católica, desde a última guerra mundial. E talvez por isso haja quem pense, dado o seu dinamismo e popularidade, que alguém o possa querer matar. Não faltarão membros da própria Igreja ou pagos para isso, que estão a ser postos em causa, que pensem nessa hipótese, em consequência da sua ação renovadora. Mesmo no Vaticano, não tenho dúvidas disso.
Sua Santidade tem com ele o povo e muita gente de diferentes classes que o adoram, cada vez mais. É verdade. Mas parece-me óbvio que tem também vindo a fazer, até em algumas igrejas nacionais, vários inimigos. O que pode ser perigoso.
Acho que a Igreja portuguesa, que foi colonialista no tempo de Salazar e com o patriarca Gonçalves Cerejeira, salazarista e seu grande amigo, desde Coimbra, se tornou, graças ao Partido Socialista, uma Igreja aberta. O que não era, exceto talvez no final, quando apareceram os chamados católicos progressistas. Sobretudo após o patriarca ser o cardeal D. António Ribeiro.
O Santo Padre Francisco é não só amigo dos pobres e gosta de falar com cristãos e também com não cristãos como entende que Deus é paz e, por isso, a austeridade é condenável pelo mal que faz às coletividades e aos Estados (como o nosso). O "capitalismo selvagem", com a sua ganância globalizada pelo dinheiro e o manifesto desemprego, não só dos pobres mas também da classe média, "mata". A palavra é de Sua Santidade.
Se juntarmos a estas posições o facto de o Papa Francisco não ser europeu e estar a implementar reformas que julga indispensáveis, mesmo na própria Cúria, e não gosta de que os mercados se imponham à política representa, como é óbvio, um perigo imenso, ao qual Sua Santidade parece não ter dado especial atenção.
“”Há quem diga que o Papa Francisco será o Papa do Vaticano III (veja-se o número especial do Diário de Notícias de sábado passado). Porquê? Porque está a promover muitas transformações na Santa Sé. Tornou-se Papa quando havia ainda - e há - um ex-Papa vivo e conversam entre eles. O que é muito salutar e importante. Tenciona criar um conselho de sábios de oito cardeais dos cinco continentes, ideia que nasceu, ao que diz a imprensa, das reuniões do pré-conclave.
Ao contrário do Papa Bento XVI, que é fundamentalmente um teólogo e um pensador, o Santo Papa Francisco é sobretudo um homem de ação. Apesar disso, proclamou já uma brilhante exortação apostólica intitulada "Evangelii Gaudium". Vale a pena lê-la e não a esquecer.
Evidentemente que o Papa Francisco tem, como toda a gente, amigos (muitos) e alguns inimigos. Foram esses, penso, argentinos, que mal foi eleito Papa, começaram a intriga de que tinha sido apoiante da ditadura militar argentina. O que não é verdade.
Saiu agora um livro traduzido para português por António Maia da Rocha, que já tem, aliás, uma segunda edição, intitulado A Lista de Bergoglio e como subtítulo "Os que foram salvos por Francisco durante a ditadura - a história nunca contada". É um livro cujo autor é Nello Scavo e é prefaciado por Adolfo Pérez Esquível, Prémio Nobel da Paz 1980.
O que diz esse livro? Cito: "Na Argentina, os militares tomam o poder. Rebenta o terror. O exército rapta e mata dezenas de milhares de pessoas, naquele processo trágico que ficou conhecido como o drama dos desaparecidos. Em Buenos Aires, de forma discreta mas heroica, o jesuíta Jorge Mario Bergoglio salva todos os perseguidos que pode." Ao contrário do que sucedeu com outros párocos e mesmo jesuítas que, a bem com o regime, o denunciaram.
Trata-se de um livro que merece ser lido porque esclarece a vida e glorifica o Papa Francisco.
Ontem, o Papa Francisco anunciou a sua ida em maio aos lugares santos (Israel). Quer seguramente falar com judeus responsáveis, mas não deixará de falar também com palestinianos. Porque para o Papa Francisco "Deus é Paz" e Sua Santidade tudo faz para conseguir a paz religiosa, mas não só. Porque "Deus é Paz". “”
(In DN)