"Portugal existe mesmo ou apenas somos uns 10 milhões de cidadãos que por coincidência moramos dentro de fronteiras que os antepassados fizeram e que nos portamos mais como condóminos de um imenso prédio do que como cidadãos de um país?
Hoje é feriado, lá para os lados de Faro há um senhor que combinamos que durante cinco anos seria Presidente da República e que durante estes cinco anos anda a convencer-nos para o mantermos no cargo, que vai assistir firme e hirto a umas paradas, dar uns beijinhos a umas crianças sorridentes, galardoar uns amigos e mais uns quantos para não parecer mal, tudo porque é Dia de Portugal e das Comunidades. Aliás, durante muito tempo até tivemos vergonha de ter um dia de Portugal, tivemos o dia da raça, o tal senhor às vezes ainda se baralha com a designção, outras vezes preferimos dizer que é o dia de Camões.
Em toda a minha vida só vi o país unir-se uma vez, foi preciso um espertalhão como o Scolari, a quem um comentador televisivo comparou com o coronel da telenovela Gabriela, que conseguiu unir-nos e até nos levou a exibir a bandeira, como as boas nem chegavam para todos até andamos com bandeiras onde os castelos tinham sido substituídos por pagodes. Mas a coisa durou pouco, os gregos, os mesmos que agora nos tramaram com as suas aldrabices financeiras, deram-nos duas pancadas e regressámos à realidade.
Não somos capazes dos unir para nada, a esquerda nada quer com a direita e vice-versa, a extrema-esquerda prefere o Fidel ou um Chavez a um dos nossos, os do Porto detestam que Lisboa seja a capital, os das Ilhas chamam colonialistas aos do continente, ou, como diz o Alberto, do "contenente", os que usam auto-estradas querem que sejam os que andam a pé a suportar scuts com impostos, os ricos querem que sejam os pobres a pagar a crise, os pobres estão convencidos de que os ricos podiam pagar a crise.
Somos um povo da treta, sorte tiveram os de Olivença que ficaram do outro lado por causa de uma batalha que chamaram das laranjas, deste lado ainda andamos em guerra com laranjas, umas mais azedas do que outras, mas desta vez nem a batalha acaba nem ninguém fica conosco, já nem os espanhóis nos querem ainda que nos inquéritos de opinião uma boa parte dos portugueses estejam dispostos a serem adoptados pelo país vizinho sem que haja batatada na fronteira.
Enfim, talvez a selecção luso-brasileira se safe no jogo com os Camarões e lá teremos Portugal durante mais uns dias, tiramos as bandeiras ao armário, enchemos os peito e vamos para a rua gastar uns trocos em gasolina em filhas de carros que mais parecem o "comboio apita, apita" de uma noite de ano novo.
A Espanha não nos quer, a Inglaterra não saberia o que fazer do Presidente da República (talvez príncipe de Boliqueime), nos tempos do Brejnev a Rússia disse que éramos um problema da Nato e foi-se embora, Marrocos fica do outro lado e os EUA estão longe de mais para sermos mais quinquagésimo primeiro estado federado. Já estamos na EU o que não é nada mau, entramos no bom tempo graças a um Mário Soares de que dizem não saber falar francês, o que seria se soubesse.
Outra coisa não me resta senão dizer viva Portugal." In (O Jumento)