A GRIPE E A MALARIA
«Lembro-me da casa pintada de cor-de-rosa, do céu carregado, das árvores de folhagem densa que em dias de sol darão alívio ao calor húmido. E lembro-me da estrada alcatroada e em bom estado, apesar de estarmos em África e de não ser essa a recordação típica que um europeu traz para contar aos amigos no regresso da viagem.
A vila de Manhiça, 70 quilómetros a norte de Maputo, Moçambique, não é propriamente um destino de paragem turística, sendo apenas um ponto de passagem para quem ruma ao Norte pela estrada nacional. Mas é em Manhiça que funciona uma das principais frentes de combate à malária - o Centro de Investigação em Saúde de Manhiça, primeiro centro de investigação biomédica moçambicano, que se dedica, sobretudo, a estudar e a combater as doenças que são a principal causa da pobreza. Não apenas em África, mas sobretudo em África, onde (garante a Organização Mundial de Saúde) a malária mata uma criança de 30 em 30 segundos. Leu bem: 30 segundos.
Em todo o mundo, todos os anos, metade da população mundial (3,3 mil milhões de pessoas) corre o risco de contrair malária, são registados 250 milhões de casos de malária e os casos mortais somam um milhão anualmente. A malária continua a ser a doença que provoca mais mortes em todo o mundo - a maioria crianças e a esmagadora maioria em África. Dizem ainda os números que, nos países mais afectados, a malária é responsável por 40% da despesa privada e pública da saúde, por 30% a 50% dos internamentos hospitalares e por 60% das consultas médicas. Os mais optimistas garantem que a descoberta de uma vacina contra a malária poderia representar uma subida de 25% na riqueza de alguns países mais afectados. Seja como for, a malária é, unanimemente, a doença que mais contribui para manter milhões de pessoas na armadilha da pobreza.
O problema é exactamente esse: são pessoas, comunidades, países pobres. No início deste ano, Bill Gates justificava assim a falta de interesse dos países ricos - da indústria e dos governos - na investigação da doença, tomando como exemplo o seu próprio país: na primeira metade do século 20 foram atribuídos quatro prémios Nobel a investigadores da doença, o último em 1948. Em 1951, depois de campanhas em massa para matar os mosquitos transmissores da doença, a malária estava praticamente eliminada nos Estados Unidos.
E o que é que isto tudo tem a ver com a gripe A? Nós que vivemos no hemisfério "rico" - tirando algumas excepções - estamos à beira do pânico perante a nova pandemia anunciada. Os últimos números dizem que, em todo o mundo, os doentes infectados ultrapassam os 100 mil e os casos mortais são mais de 800. Temos razão na preocupação - a Inglaterra prepara-se até para uma "pandemia de pânico".
Mas é bom não perder a noção da realidade. »