“Banqueiros e políticos: veja as diferenças
Tomemos apenas dois casos: Ricardo Salgado e José Sócrates.
O primeiro caíu definitivamente em desgraça. Já não lhe bastavam os escândalos do BES/GES, hoje caíu-lhe em cima o caso Monte Branco, a maior rede de branqueamento de capitais, que se arrasta desde 2005, segundo dizem as notícias.
Salgado, hoje constituído arguido e sujeito a uma caução de 3 milhões de euros, é agora suspeito de práticas fraudulentas e de crimes graves. Já tinha sido ouvido como testemunha e o Ministério Público chegou a declarar que não era suspeito no caso Monte Branco. Coincidência ou não, arredado do BES e perdido o poder que detinha, a justiça foi hoje buscá-lo a casa e nem lhe permitiu que fosse ele a apresentar-se de livre vontade.
E sobre o caso GES/BES ficámos também hoje a saber pela boca do presidente da CMVM, no Parlamento, que havia indícios de actividade ilícita que foram entregues às autoridades. Em causa estavam, entre outros, eventuais crimes de abuso de informação privilegiada e abuso de confiança. Salgado andava afinal a ser vigiado e o regulador diz agora que ele tudo fazia para o enganar. Soube-se também que a CMVM sofreu pressões fortíssimas de responsáveis do grupo para que nada se soubesse porque um banqueiro não pode ser suspeito.
Temos, pois, que muitos sabiam muitas coisas sobre Ricardo Salgado mas não o disseram. Não houve sobre o banqueiro fugas de informação nem transcrições de escutas nos jornais. Nenhum agente da justiça ajudou os jornalistas a publicarem as patranhas do banqueiro. É que um banqueiro não pode ser suspeito. Hoje foram buscá-lo a casa porque já não é banqueiro no activo nem Dono Disto Tudo. Já pode ser suspeito, arguido e detido. Antes não!
Comparemos então o tratamento dado ao banqueiro no activo com o tratamento dado a um primeiro-ministro, o último, José Sócrates, enquanto esteve no activo: fustigado pelos jornais e televisões, durante os últimos anos do seu governo, acusado e suspeito de corrupção – no Freeport, diziam que tinha recebido luvas; no Face Oculta, queria derrubar o estado de direito e correr com a Moura Guedes da TVI; no SOL queria que o Vara cortasse a publicidade do BCP ao jornal do arquitecto. Sem nunca ter sido ouvido pela justiça nem constituído arguido, este primeiro-ministro foi meses e anos crucificado na TVI e no SOL, escutado a falar com meio mundo com as escutas escarrapachadas nos jornais, a sua vida privada espiolhada até à medula, Sócrates, primeiro-ministro, foi isco em tudo quanto era caso de justiça.
Enquanto esteve em funções, este primeiro-ministro foi sempre “suspeito” para jornais, televisões, procuradores e polícias. Ninguém se interrogou (ao contrário do que fizeram com o banqueiro Salgado) se um primeiro-ministro podia ser suspeito. Quando deixou o cargo, calaram-se e nada se provou contra ele.
Moral da história: um banqueiro no activo não pode ser suspeito. Um primeiro ministro em funções pode sê-lo. Quando saem de funções é ao contrário: o banqueiro tem de pagar pelos crimes; o primeiro-ministro não tem crimes mas entretanto foi corrido em eleições. Esse era o objectivo.