1. Há vozes importantes e sérias na maioria que vociferam agora contra a
troika e o memorando. Não vale a pena falar dos que defendem o memorando como o
atacariam se fossem essas as ordens dadas pelo chefe. Nem os que sem um pingo de
vergonha o negociaram, escreveram o programa de governo e agora fingem não ter
nada a ver com o assunto. Nem os que diriam o que quer que fosse por motivos
meramente venais. Nem os que ontem se lembraram de frentes comuns contra a
troika e que morreriam pela social-democracia em véspera de eleições
autárquicas. E nem pensar em lembrar as palavras de Gaspar sobre o memorando e a
sua recente afirmação sobre a sua deficiente negociação. Nenhum desses merece
qualquer tipo de análise, uns por manifesta irrelevância, outros para não
prejudicar o nosso sistema nervoso.
Interessa pensar em gente que contará para o futuro do PSD e do CDS, que tem
apoiado o Governo e que tem vindo a deixar cada vez mais claro o seu desagrado
com o actual estado de coisas. Miguel Frasquilho e João Almeida são dois bons
exemplos.
O que estes e outros dirigentes do PSD e do CDS parecem esquecer é que
Governo, troika, memorando e suas revisões são indissociáveis. Criticar a troika
ou pedir uma mudança de atitude dos credores, como fez Miguel Frasquilho, é
criticar violentamente o Governo e exigir uma mudança, que nunca acontecerá, na
atitude do Governo.
Quantas vezes será preciso lembrar as palavras de Passos Coelho dizendo que o
programa do Governo e do PSD era o memorando da troika? Quantas vezes será
preciso recordar que era preciso ir além da troika? Mas não é preciso ir muito
atrás no tempo. No momento em que a própria troika já percebeu que o plano não
está a resultar e que, sem um pingo de respeito pelas vidas que destruiu, pelas
empresas que faliu e pelo desespero que semeou, exibe publicamente o triste
espectáculo do passa-culpas entre os seus membros, Gaspar diz no Parlamento que
"não é verdade que o programa esteja a falhar" e que alguns dos problemas na
actual execução orçamental se devem às más condições atmosféricas do primeiro
trimestre do ano.
Que parte das pessoas responsáveis do PSD e do CDS ainda não perceberam
quando lhes dizem que este Governo não mudará de rumo porque de facto acreditam
nesta loucura? Será que nem as medidas como o corte dos 4 000 milhões de euros
disfarçada de reforma do Estado sem critério ou plano e à margem do memorando
não as fazem perceber o embuste? Como é que aceitam participar na conversa sobre
ser preciso um orçamento rectificativo por causa do Tribunal Constitucional,
sabendo que isso não passa duma vergonhosa mentira? Não sabem que a seguir a
este rectificativo se seguirá outro porque, pura e simplesmente, a receita não
está a resultar? Não saberão que este Governo acredita mais no programa da
troika do que a própria troika? Ignoram que a grande maioria das medidas de
austeridade postas em prática são da iniciativa do Governo e vão muito para além
do acordado?
O problema é que sabem de tudo isto, como sabem do empobrecimento
generalizado, do desemprego que fará emigrar os melhores duma geração e mandará
para a miséria os que não poderem sair do país. Conhecem melhor que ninguém o
que este Governo está a fazer à nossa comunidade e ao nosso futuro comum. Já
perceberam a moral enviesada que pretende castigar o suposto comportamento
mandrião do passado e que pretende criar o homem novo.
As críticas violentas à troika ouvidas esta semana no Parlamento por
deputados da maioria apenas aparentemente foram feitas ao BCE, à Comissão e ao
FMI, foram, sim, direitinhas ao Governo. Foi o maior acto de contestação interna
desde o episódio da TSU.
É tempo de as pessoas do PSD e do CDS que sabem para onde o Governo nos está
a levar assumirem as suas responsabilidades e mostrarem que há gente patriota e
com sentido de Estado nos dois partidos da coligação. Chega de medo. Os partidos
e sobretudo Portugal precisam como nunca de gente corajosa.
2. Não é propriamente novidade para ninguém que os candidatos às câmaras
municipais pelo PSD irão tentar falar o menos possível da governação. Mais,
ninguém ficará surpreendido se desatarem a criticar violentamente o Governo.
Agora ver candidatos às principais câmaras do país, e até um ex-presidente do
partido, a não colocar o símbolo do partido nos cartazes de campanha é, no
mínimo, faltar ao respeito à história do PSD e aos seus militantes. Apesar
destes fatídicos últimos anos o PSD tem uma história de que se pode orgulhar
tanto no governo do país como na gestão autárquica.
(DN)