POR TER PASSADO NA AMARELEJA
ÀQUELA HORA
Quando passei na Amareleja, àquela hora,
era de fogo o ar, aterra e o rio ausente.
O povoado era um deserto e a sua gente
refugiada estava em casas onde mora.
Aproximei-me da parede de uma delas
e junto de uma das pequenas três janelas
que lá se abriam, bem fechadas, para a rua,
ouvi alguém falar do Sol... e até da Lua,
ouvi alguém falar do tempo que fazia.
Eu, só, na rua, onde o vento não soprava
e uma flor, num canteirinho, ali murchava,
naquela aldeia, àquela hora, o que eu sofria
morrendo à sede de suor que nem corria
para molhar o meu pobre corpo, que secava.
De repente
um cão passou
apressadamente
com a língua ao dependuro.
E olhando para mim
para mim olhou
e ao ver-me assim
nem sequer parou!
Qualquer disse
sem que eu ouvisse
e seguiu em frente
sem pisar o quente
do negro alcatrão
que na estreita
fazia de chão.
Chegado adiante
abriu um portão
e, num breve instante,
entrou, confiante.
Dali era o cão.
Que momento aquele!!
Nem pensar podia,
mas algo diferente
vivi nesse dia, senti nessa tarde
de calor ardente,
o que me ajudou
a compreender
que no Alentejo,
onde o fogo arde,
há outro saber,
um modo de ser,
um modo de estar
que eu quis conhecer.
Valeu a lição
no dia em que um cão
me enchendo de inveja
entrou num portão
fugindo ao Inferno
que na Amarleja
era um fogo eterno
em tarde de Verão.
Por ter passado na Amareleja àquela hora
foi que senti que até o calor é bem mais quente
no Alentejo, onde um saber que vem de outrora
tornou assim tão singular aquela gente.
Julho de 1998 - para recordar um dos dias mais quentes das ultimas décadas.
Sérgio Sá (antigo companheiro da Guerra de África)
Onde apanhei estes versos - Poemas no Alentejo - Colecção verso livre