Por que motivo, então, perguntar--se-á, tão generalizado repúdio e indignação face às palavras de Passos na segunda-feira, repúdio a que nem o próprio Governo foi alheio, com Portas a frisar que "os portugueses devem ser tratados como um povo que está a conseguir" (o que estarão os portugueses a conseguir sendo, é claro, outra questão)? É muito simples: porque a situação brutal com a qual os portugueses são confrontados é não só em grande parte uma escolha do primeiro-ministro, que não se coíbe de dizer e fazer repetir pelos seus álvaros que "o que estamos a fazer não fazemos porque a troika nos pede mas porque é o que queremos", como surge depois de este ter passado uma campanha a prometer o contrário e a atacar o Governo anterior por "impor demasiados sacrifícios".
Este primeiro-ministro é a mesma pessoa que, de voz embargada, pediu "desculpa aos portugueses" por ter viabilizado medidas do Governo Sócrates que caracterizava como "muito duras". É a mesma pessoa que garantiu no Natal de 2010 que na sua casa "só haveria prendas para a filha mais nova"; que com toda a oposição chumbou o último PEC por ser "excessivamente penalizador para os portugueses" enquanto defendia que "a única saída" era o pedido de ajuda externa - e desde então nada mais faz que responsabilizar o Governo anterior por esse pedido que ele próprio tornou inevitável, usando-o como justificação para aplicar, "custe o que custar", o programa que, confessa agora, sempre foi o seu.
Este é o PM que mal tomou posse se locupletou com meio subsídio de Natal do País alegando "graves desvios orçamentais" e que no fim de 2011 foi desmentido pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental - sem por isso se lembrar de "morder a língua". É o PM que acusa os portugueses de terem demasiadas férias, mas passou três semanas no Algarve mal tomou posse, depois de ter garantido que "nem teria tempo para se sentar". É o PM que ganhou as eleições a chamar malvados, incompetentes e ladrões a quem "fazia sofrer os portugueses" e a garantir que com ele a austeridade deixaria de incidir sobre as pessoas, os mercados desceriam os juros, o Governo não mais seria "uma agência de empregos para amigos" e a crise internacional, que nunca tinha existido, deixaria de ser "uma desculpa". E que agora, severo, paternal e sobretudo exemplar, decreta que o problema mesmo são os portugueses e a sua "falta de exigência" - porque, afinal, já começa a precisar de outro bode expiatório para a tão arreliadora resistência da realidade às suas teorias. Ninguém melhor para o papel que quem, embarcando na sua pieguice falsa e ignara, o pôs onde está. " ( DN)