Entrevista no final de 2011
"Paul de Grauwe tem uma visão diferente da crise da zona euro. São os contribuintes portugueses que estão a dar dinheiro aos alemães e não o contrário. Professor de Economia Internacional da Universidade Católica de Lovaina e conselheiro da Comissão Europeia, admite que Portugal nunca beneficiou realmente com o euro, mas desaconselha uma saída. Para o BCE não tem meias-palavras: ou são incompetentes ou estão a ser guiados por objectivos obscuros.
Em um ano, a zona euro estará mais integrada ou perto da separação?
É difícil saber. Estamos perante uma bifurcação. Podem acontecer duas coisas: uma implosão completa, com recessão e crises bancárias, ou os Estados membros e o BCE decidem fazer o mais correcto e evitam o colapso. Sou optimista; acredito no segundo cenário, mas não excluo o outro.
Mas o fim do euro é plausível?
A zona euro continua frágil e pode desintegrar-se, mas temos os meios para o evitar. Tudo depende do empenho de quem está no poder. Se colapsar é porque as pessoas em posições-chave o quiseram.
Algum país beneficiaria com isso?
Não. No longo prazo, talvez. Países como a Grécia poderiam desvalorizar a moeda, o que estimularia a economia. Mas seria muito disruptivo, principalmente para a banca. No curto e médio prazo, ninguém beneficiaria.
Nem a Alemanha?
Países como a Alemanha seriam os verdadeiros prejudicados. Essas economias beneficiaram antes da crise, com a acumulação de excedentes externos e forte crescimento. Durante a crise têm sido os que mais ganham. Estão a endividar-se quase de graça. A Alemanha pede emprestado de graça e depois empresta-vos, com um bom lucro, não é? Na Alemanha ouve-se que os contribuintes pagam aos portugueses, mas é o contrário. Os portugueses é que pagam aos alemães. Se tudo colapsar, perderão imenso.
Portugal continua a beneficiar por estar na zona euro?
Não sei se alguma vez beneficiou verdadeiramente. No futuro, Portugal poderá viver com a sua própria moeda, mas vai ser difícil passar desta situação para uma divisa própria. O problema é a transição. Será muito traumático e imprevisível. Não sei se seria boa ideia fazê-lo agora.
É inevitável reestruturar a dívida?
Não acho que seja inevitável como na Grécia. Portugal é um país honesto, apesar de ter muitos problemas. Depende das perspectivas de crescimento. Se houver crescimento, não é preciso reestruturar. Por agora, não teriam vantagem em negociar a dívida.
Temos um programa de austeridade muito exigente. É o caminho certo?
É demasiado intenso e duro. Se Portugal o fizesse sozinho talvez resultasse, mas com a Espanha, Itália e França a fazê-lo é muito difícil e não resulta. Além disso, a queda do PIB faz aumentar o rácio de dívida, o que torna os mercados mais nervosos e leva a uma maior pressão deflacionária.
Passos disse que os portugueses têm de empobrecer. Concorda?
É totalmente errado. Os portugueses têm de gastar e aumentar a produção. Reduzir o consumo sem aumentar a produção é empobrecer. A pobreza depende da capacidade produtiva.
Que alternativas deveriam ser seguidas pela Europa?
Bruxelas devia anunciar a extensão dos programas de emergência devido à recessão. Países como a Alemanha e a Holanda deviam interromper a austeridade e estimular o consumo privado, para que os países do Sul consigam sair da crise. Falta vontade ao Norte da Europa para aumentar a despesa. Os países com défices têm de ser ajudados pelos que têm excedentes.
As eurobonds são algum tipo de alternativa ou um pormenor?
Não são uma alternativa nem vão resolver a crise. Contudo, no longo prazo, é importante que sejam criadas para assinalar aos mercados o comprometimento com um projecto. Todos entendem que tem de haver união orçamental e as eurobonds são o primeiro passo nesse sentido.
O Banco Central Europeu (BCE) tem de ter um papel diferente?
Sim. Deve ser um credor de último recurso no mercado de obrigações. O BCE está a dar centenas de milhões de euros aos bancos sem preocupações de "risco moral" e não o faz com obrigações soberanas devido a esse mesmo risco. Se não se resolver a crise da dívida, dar liquidez aos bancos é tentar encher um balde furado. Atacar o problema na fonte seria muito mais eficaz. Infelizmente, o BCE não pensa assim, o que é inexplicável. Estão a ser guiados por questões dogmáticas, em vez de práticas. Só resolvendo a crise se salvam os bancos.
A preocupação do BCE com a inflação está a ir longe de mais?
Que fazem os bancos com a liquidez do BCE? A última coisa que querem é aumentar o crédito; estão a acumular reservas porque têm medo. Não há risco de inflação porque a liquidez fica nos bancos: é pressão zero. É a incompetência completa. Não sabem o que se passa - ou têm objectivos obscuros.
Mario Draghi pode trazer uma perspectiva diferente ?
Ele é uma esfinge: fala, mas não sei o que ele pensa. São puzzles. Sei é que está cheio de medo dos alemães."