"Pudesse eu, tivesse vinte e poucos anos, não tivesse filhas nem netas, nem casa
para sustentar, fosse licenciado a fazer de professor, não tivesse descontado
mais de 2/3 da minha vida para garantir uma segurança na velhice que me anunciam
não ir ter, não tivesse investido em Portugal, no bem dos portugueses, no ensino
das minhas descendentes, na defesa do meu País, não tivesse deixado o couro (e
literalmente o cabelo) na defesa da democracia, na oportunidade dada ao
Primeiro-Ministro para se educar à minha custa e de ter sido tratado por médicos
que eu ajudei a pagar e de usar as auto-estradas que ainda estou a pagar e que
as minhas filhas e netas irão continuar a amortizar, não fossem todas essas
razões e mais uma mão cheia que não direi aqui, entre elas as que inviabilizam a
partida devido aos roubos na remuneração que me é devida e que servem para pagar
todos os luxos de que os nossos governantes não abdicam, e faria como o Senhor
Primeiro-Ministro sugere.
Emigrava.
Não para os
PALOPS ou outros de língua oficial portuguesa, mas para países onde os
offshores fossem garantidos, tivesse, claro, tido oportunidade de ter
poupado uma vida inteira porque não tinha criado portugueses novos, nem os tinha
educado, porque não tinha descontado 2/3 de uma vida para um fundo que foi
inúmeras vezes atacado pela ganância e pelo absurdo (como aquilo que agora
pretendem fazer com os fundos de pensões dos bancários), não tivesse investido
em Portugal e no bem dos portugueses, nem na defesa do meu País, nem tivesse
pago os estudos de um homem que hoje é Primeiro-Ministro, nem as auto-estradas
que ele usa, nem os médicos que o tratam nem o raio-que-o-parta, mais as meninas
que já não vão receber prendinhas, a não ser a pequenina, nem os almoços no
Forte de São Julião e as luzinhas de Natal com uma estrelinha que os
guie.
Tivesse eu meios para emigrar, para não ter de ouvir estes tipos,
não ter de me deprimir cada vez que anunciam que aquilo porque lutei uma vida
inteira foi uma fantasia, embora tudo tenha feito e pago para que fosse uma
realidade para mim, para as minhas filhas e netas, e já tinha emigrado ou pelo
menos tinha emigrado o aforro para evitar que esta gente lhe deitasse a mão." (
barbearia )