Mário Crespo a voz do dono
Declarações de Sócrates provocam "autismo jornalístico"
Não sou economista mas, como pessoa atenta ao que se passa à sua volta, quando ontem ouvi José Sócrates num vídeo difuso e incompleto a falar da dívida não percebi o espanto de algumas almas. É que eu pensava que toda a gente sabia que, tal como outros países mais prósperos que nós, temos dívida há muitos anos. E que um país ter dívida é tão normal como ter receita e ter despesa.
Por isso, quando ontem ouvi Sócrates, de Paris, meio na penumbra (devia ser câmara oculta porque a sessão era privada, soube-se hoje) dizer que era preciso "gerir a dívida" porque pagar a dívida pública é "uma ideia de criança" percebi que a frase iria ser imediatamente retirada do contexto e instrumentalizada à exaustão. Confirmei isso logo a seguir ao ver Freitas do Amaral, instado por Crespo, na SICN, a criticar Sócrates (que elogiava quando era seu ministro).
Pois hoje, quando a RTP entrevistou Sócrates e este disse de viva voz o que já se tinha percebido ontem, isto é, que pagar a dívida de uma vez e em pouco tempo era "coisa de criança" e depois apareceu Passos Coelho a dizer "acho que ninguém pode discordar" fui ver como é que Mário Crespo abria hoje o "Jornal das 9″.
E não perdi o meu tempo. Crespo abriu o seu "Jornal" com as declarações de Sócrates à RTP a explicar o que dissera na tal sessão. Depois, quando se esperava que Crespo introduzisse o comentário de Passos Coelho – de inegável interesse jornalístico – não o fez. Preferiu repetir o vídeo de ontem, o da frase truncada. Mas não ficou por aí. Repetiu também o excerto de ontem do comentário de Freitas do Amaral a criticar a afirmação truncada de Sócrates.
Isto é, Crespo substituiu a notícia de hoje pela notícia de ontem. Preferiu continuar com Freitas a comentar Sócrates a mostrar Passos a comentar (e a concordar) com Sócrates.
Chama-se a isto "autismo" jornalístico (comportamento constituído por actos repetitivos e estereotipados que não suporta mudanças de ambiente e prefere um contexto inanimado) (sem ofensa para os autistas). ( vaievem )