Mais uma trapalhada?
Com "desvios colossais", que o são na versão do primeiro-ministro, mas podem não ser nas narrativas do ministro das Finanças e do Presidente da República e que depois não se detectam nas contas do Estado divulgadas para o primeiro semestre.
"Políticos, burocratas e economistas" é o título de um texto escrito pelo actual Presidente da República na segunda metade dos anos 70 do século passado. Ali desenvolvia os objectivos de cada uma daquelas actividades. Um texto que nos vem à memória nestes tempos de violento confronto entre os objectivos dos políticos e o interesse público.
O documento ontem divulgado sobre as receitas e despesas do Estado durante o primeiro semestre aproxima-se mais da narrativa que o ministro das Finanças fez de "desvio colossal" do que daquela que o primeiro-ministro parece sustentar.
Para todos sabermos o mesmo, comecemos pela fuga de informação. Pedro Passos Coelho terá dito que havia um "desvio colossal" nas contas públicas aos seus colegas do PSD do Conselho Nacional.
Claro que para um país que está a lutar por credibilidade financeira junto numa Europa pouco disponível para ajudar e nuns mercados financeiros em constante pânico, anunciar um "desvio colossal" depois de as contas públicas terem sido escrutinadas pelo BCE, pela Comissão Europeia e pelo FMI é tudo menos uma boa estratégia.
São essas violentas águas financeiras em que Portugal navega, com ondas que devoram quem se descredibiliza, que justificam a narrativa do ministro das Finanças. Vítor Gaspar resolve fazer a sua história e dizer que o colossal adjectiva o trabalho que existe pela frente, e não o desvio. Mas logo a seguir o primeiro-ministro vem dizer que há um desvio de dois mil milhões de euros. Para depois ouvir o Presidente da República citar a explicação do ministro das Finanças, e não o seu número para o suposto desvio.
Eis que saíram as contas do Estado do primeiro semestre deste ano e o "desvio colossal" transforma-se em desvios explicados por padrões intra-anuais e regras contabilísticas. E os objectivos definidos pela troika são cumpridos com bastante folga . E isto mesmo sem o Governo ter adoptado as medidas do lado da despesa consagradas no Orçamento do Estado para 2011.
Claro que o "desvio colossal" gerou de imediato o salto de raciocínio para um orçamento rectificativo. É a consequência lógica que, mesmo sem esse tal desvio, pode ter de ocorrer por causa da re-engenharia ministerial - mais um custo certo com benefícios incertos. E é ainda a consequência que parece lógica da opção por anunciar com seis meses de antecedência um imposto extraordinário. Este seguro contra surpresas, além de dificultar a vida orçamental em 2012, vai alimentar as resistências habituais aos cortes de despesa.
O que se tem passado nestes ainda poucos dias do novo Governo gera mais preocupação do que confiança. Há demasiadas acções marcadas por tácticas políticas que prejudicam os interesses do País. Há já demasiados casos de falta de coragem de tomar medidas com efeitos significativos em grupos específicos. Lançar impostos é fácil.
Esperemos seja apenas "desvio colossal" de pouca dura"