1. Fosse Bernardo Bairrão quadro duma gigantesca empresa de curtumes ou professor catedrático numa qualquer prestigiada universidade e a sua surpreendente dispensa, meia dúzia de horas antes de tomar posse, não teria merecido parangonas de jornais e inúmeros comentários. Mas não, o ex-futuro secretário de Estado da Administração Interna era administrador do canal de televisão líder de audiências em Portugal. A isto acresce o facto de esse canal ter sido acusado, justa ou injustamente, de sucumbir a pressões políticas e de alguns seus jornalistas terem feito campanhas contra antigos responsáveis governamentais de forma fundada ou não.
Parece não ter espantado ninguém que as primeiras explicações para o despedimento pré- -contratual tivessem como sustento a posição de Bernardo Bairrão sobre a privatização da RTP. Porém, parece claro que a explicação não pode ser essa.
Em primeiro lugar, a opinião do gestor era bem conhecida e não pode passar pela cabeça de ninguém que o primeiro-ministro a desconhecesse. Por outro lado, mal estávamos se um ministro convidasse um secretário de Estado sem o consentimento do primeiro-ministro.
Em segundo lugar, se as opiniões sobre a privatização dum canal público fossem vitais para o Governo, não existiria coligação. A posição de Paulo Portas é clara e isso não impediu o acordo com o CDS. E, convenhamos, que importa a opinião sobre a RTP dum secretário de Estado da Administração Interna?
Falou-se depois de outras razões relacionadas com o despedimento de jornalistas, feitos pela Administração da TVI, na sequência do caso Freeport. Que teriam existido pressões para que Bernardo Bairrão fosse "castigado" por ter colaborado ou consentido no afastamento desses jornalistas. É praticamente impossível acreditar nesta versão. Imagine-se o que seria um primeiro-ministro ceder a este género de pressões, viessem elas donde viessem.
O que se passou, então?
Foi-nos prometida verdade e absoluta clareza. Sabemos que é necessária mais transparência na relação entre o poder político e vários sectores de actividade. Temos fortes indícios de que as relações entre os vários governos e a comunicação social foram pouco saudáveis.
Vimos dum período em que se especulou demasiado sobre esse perigoso relacionamento. Foram feitas acusações, levantaram-se suspeitas e chegou-se mesmo a pôr em causa a liberdade de imprensa e de expressão - em alguns casos de forma absolutamente patética.
Bernardo Bairrão, quer se queira quer não, era um interveniente relevante na área da comunicação social, e só com uma grande dose de ingenuidade é que podemos pensar que o seu nome foi riscado, dum momento para o outro, da lista de secretários de Estado por outras razões que não as da sua actuação nesse sector.
Pode ser que assim não seja, mas então convém que saibamos o que de facto se passou. Se não soubermos, vamos continuar a viver com a desconfortável sensação de que algo de muito estranho se passa entre os políticos e a comunicação social.
Transparência, senhor primeiro-ministro, transparência
2. Não discuto a necessidade das medidas de austeridade suplementares como as que nos foram apresentadas quinta-feira. Estou disposto a fingir que não me lembro da promessa de que os cortes na despesa bastariam para equilibrar as nossas contas públicas. Também não me quero lembrar da resposta de Passos Coelho quando lhe perguntaram se o décimo terceiro mês estava em risco. O mundo muda de dia para dia, bem sei. A verdade dum primeiro-ministro não é igual à dum líder de oposição, pois claro.
Agora, quando me impõem mais sacrifícios gostava de, no momento do anúncio, ser cabalmente informado de como isso vai ser feito. Não acho que seja propriamente correcto dizer-me: "Vou-te tirar parte do que ganhas mas mais tarde informo-te de como exactamente o vou fazer."
O imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal, que afinal não é sobre o subsídio de Natal, foi mal explicado, ainda não se percebeu como vai funcionar (cada jornal tem a sua versão de como será executado) e a sua apresentação deu a sensação de que o próprio Governo ainda não sabe bem como o vai aplicar e de que forma.
Medidas desta gravidade têm de ser muito bem explicadas e não anunciadas de forma atabalhoada e pouco preparada.
3. De que está o Presidente da República à espera para vir pedir desculpa aos portugueses por ter dito que não se podiam pedir mais sacrifícios? Ou será que vai criticar as novas medidas?