1. Daqui a um mês teremos eleições. Nunca, como hoje, houve uma campanha eleitoral em simultâneo com a negociação de um empréstimo – indispensável e inadiável – com o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia.
A actual crise política podia e devia ter sido evitada se o PSD não tivesse derrubado o Governo em 11 de Março sem sequer ter – como agora é evidente – uma alternativa para o substituir. Foi um acto politicamente irresponsável. E só não foi gratuito porque prejudicou Portugal em biliões de euros, desacreditou o nosso país no estrangeiro e ninguém lá fora o compreendeu. Aliás, só é entendível pela pressa do PSD em chegar ao poder, pressionado por clientelas partidárias em lista de espera.
Se a situação já era complicada, com a demissão do Governo tornou-se crítica. Os especuladores financeiros viram em Portugal uma presa frágil e fácil e, num ápice, os juros da dívida dispararam de 7% para mais de 12%. Insustentável! Caso as negociações em curso não cheguem rapidamente a um acordo que viabilize o empréstimo, em Junho próximo não haverá dinheiro para pagar coisa nenhuma. E só então os Portugueses sentirão verdadeiramente na carne a real situação a que chegámos.
Estamos assim soterrados na conjuntura mais difícil que Portugal conheceu desde 1974 e da qual só conseguiremos sair com a garantia de uma estabilidade política sólida e consubstanciada em acordos inter-partidários sobre as questões essenciais, e da aprovação de reformas inadiáveis como, por exemplo, a da Justiça.
2. Levar à cena uma tragédia de Shakespeare mal ensaiada e com maus actores, é uma dupla tragédia.
Na sua crónica da semana passada no Expresso, Miguel Sousa Tavares – sem poupar o PS – pôs o dedo na ferida: “O PSD de Passos Coelho não tem, como já se percebeu,nada para oferecer a não ser mais do mesmo, com actores diferentes e, se calhar até, piores ainda…” “Passos Coelho não tem nem ideias, nem programa, nem equipa para governar Portugal” …
E aqui é que bate o ponto.
3. Passos Coelho e Miguel Relvas foram ambos meus contemporâneos na Assembleia da República. Relvas até já leva 24 anos de deputado!
Ambos pertenceram àquele grupo de deputados tipo “soldados desconhecidos” dos quais nada constará na história parlamentar: é difícil, em tantos anos, fazer-se tão pouco. (E, quem duvidar do que afirmo, faça o favor de consultar os arquivos da Assembleia da República).
Apesar de tudo, isto, só por si, não seria muito grave. Porque, com 230 deputados, o Parlamento até se pode dar ao luxo de só precisar dos melhores. Mas, para quem pretende governar um país, é muito curto, demasiado curto. Também agora se percebe porque saíu daquelas duas cabeças a absurda ideia de que Fernando Nobre poderia ser Presidente da Assembleia da República.
Para mim o mais grave da questão não é se o PSD ganha as eleições. O mais grave da questão é Portugal correr o risco de ter um Primeiro Ministro e um Ministro Adjunto sem um mínimo de experiência e de competência políticas: é que, governar o barco numa tormenta destas, não é para qualquer um. Os tempos não estão para amadorismos e, muito menos, para experimentalismos.
4. Em 25 de Abril quatro Presidentes da República Portuguesa fizeram apelo à responsabilidade, ao bom senso, à tolerância e ao sentido patriótico dos partidos políticos. Não foram ouvidos. Dois deles sairam de imediato pela esquerda baixa, negando-se a negociar o que quer que fosse. Ambos clamam por um governo “patriótico e de esquerda”, mas recusam-se a um entendimento com o PS, sem o qual – como é óbvio – não haverá nunca à esquerda nenhum governo. Dos outros três, o CDS tem conseguido, inteligentemente, passar entre os pingos da chuva sem se molhar; o PS faz das tripas coração para aguentar o barco; e o PSD, pela boca do seu ex-ministro Catroga – que eu vejo mais como um “controleiro” de Cavaco em missão nesse partido – exige que o governo de Sócrates seja levado a tribunal! É este homem que está a fazer o programa eleitoral do PSD. Programa esse que, por este andar, se arrisca a só ser conhecido … depois das eleições.