Por José Niza
As crises não trazem só inconvenientes e desgraças, podem e devem também trazer vantagens.
As crises obrigam-nos a fazer contas à vida, a fazer perguntas, a procurar explicações e respostas, a corrigir erros, enfim, a baixar à terra. Uma crise como a actual deve criar um impulso de mudança, um exercício de reflexão, ou, até, um pretexto para ganharmos juízo.
As crises também obrigam a tomar decisões que noutras condições seriam adiadas. Ou mesmo ignoradas.
A tomada de posição de Jorge Lacão sobre a redução do número de deputados – ao que parece, pessoal e intransmissível – traduz, antes de mais, um imperativo de mudança. E parece ter subjacente a necessidade de mudar mais coisas no nosso sistema político, das quais a diminuição do número de deputados até nem é a mais importante, nem a mais prioritária.
Todo o debate a que temos assistido a propósito desta proposta tem sido redutor e incompleto. Porque o problema mais preocupante com que o Parlamento hoje se confronta não é a quantidade dos deputados, é a sua qualidade: – E não havendo qualidade, temos uma Assembleia pobre, a fazer leis coxas.
Para que se tenha uma ideia da progressiva degradação da qualidade dos deputados ao longo dos últimos vinte e tal anos, peço-vos um esforço de memória. Vejam só alguns dos nomes do grupo parlamentar do PS, nos anos 80: Mário Soares, Almeida Santos, Salgado Zenha, Jaime Gama, Vítor Constâncio, António Guterres, Jorge Sampaio, João Cravinho, Manuel Alegre, António Reis, António Arnaut, SottoMayor Cardia, António Barreto, Rui Vilar, Medeiros Ferreira… E, já agora, eu próprio, que nesses tempos me sentava na 1ªfila da bancada. Nos outros grupos parlamentares também se viam deputados de grande envergadura como Amaro da Costa, Álvaro Cunhal, Mota Pinto, Freitas do Amaral, Carlos Brito, José Tengarrinha, Helena Cidade Moura, Magalhães Mota… Com deputados destes bastavam 100.
E porque é que a qualidade dos deputados veio por aí abaixo? Porque, nos partidos, o aparelhismo dos boys foi por aí acima e triunfou sobre o mérito dos militantes. O argumento de que os deputados são mal pagos – o que é verdade, mas tudo é relativo – não chega para justificar a mediocridade e o anonimato político que todos os dias vemos exibidos nos telejornais.
Outro equívoco e falso argumento é o de que a legislação eleitoral actual não permite uma aproximação mais estreita entre eleitos e eleitores. É claro que concordo com a criação dos círculos uninominais na futura lei eleitoral. Mas qual é a lei que hoje proíbe essa proximidade? Desculpas de mau pagador… Lembro-me de, nos meus tempos, e com o António Reis, termos reuniões semanais com a Federação do PS de Santarém para analisar toda a agenda distrital.
E hoje, como é?
Regressemos ao princípio. Se, como atrás escrevi, a actual crise e os brutais sacrifícios que está a exigir aos Portugueses não servirem para dar uma grande volta na organização política do País, então estamos tramados. Por isso Jorge Lacão foi oportuno e falou no tempo certo: as reformas, ou se fazem agora, ou já não se fazem.
E que reformas? Extinguir os governos civis. Modificar a lei eleitoral com a criação de círculos uninominais que responsabilizem mais os deputados. Reduzir drasticamente o número de freguesias. Reduzir, concentrando, um grande número de municípios. Fechar organismos públicos que só servem para atrapalhar e para gastar dinheiro, o dinheiro que tanta falta nos faz a todos.
Mas será que tudo isto é fácil? De forma nenhuma. Em teoria existirão multidões a apoiar estas soluções. Mas depois, na prática, quando elas chegarem à freguesia deles, ao concelho deles, ao lugarzinho deles no Parlamento, "aí é que a porca torce o rabo"!
Mas será que tudo isto é possível? Terá de ser. Porque, quando não há alternativas, não adianta discutir o sexo dos anjos: "em tempo de guerra não se limpam armas"
Ps. – Obviamente que a reforma da lei eleitoral não poderá – em circunstância alguma – prejudicar os pequenos partidos.