Por:
José Niza
Na noite das eleições V.Ex.ª proclamou-se como o "Presidente de todos os Portugueses, sem excepção".
Não obstante ter sido professor de economia e finanças – e portanto especialista em números – permita-me a ousadia de humildemente chamar a Vossa atenção para umas contas que fiz.
Nos cadernos eleitorais estavam inscritos 9,6 milhões de Portugueses, dos quais mais de 5 milhões não quiseram votar. Dos restantes 4,5 milhões, votaram em V.Ex.ª exactamente dois milhões e duzentos e trinta mil eleitores. Isto é, apenas 23% dos quase 10 milhões. Feitas as contas – e por mais desagradável que isto possa significar para V.Ex.ª – 77 % dos Portugueses não votaram em si. 77 % !!! É muita gente.
Não quer isto dizer que o Senhor Presidente não tenha sido democraticamene eleito, aliás até com larga vantagem sobre todos os seus adversários. Mas daí a autodenominar-se o "Presidente de todos os Portugueses" vai uma grande distância: exactamente a de sete milhões e quatrocentos e nove mil compatriotas nossos que se recusaram a votar em si.
V.Ex.ª é portanto, e legitimamente, o Presidente da República Portuguesa. Mas está muito longe de ser o "Presidente de todos os Portugueses, sem excepção". É que há mais de sete milhões de excepções. E eu, convictamente, sou uma delas.
É preciso recuar até Américo Tomás para encontrar um Presidente com as características que V.Ex.ª revela e exibe. Depois de Mário Soares, de Jorge Sampaio, e até de Ramalho Eanes, é difícil imaginar que no Palácio de Belém – e por mais cinco anos – se albergue um inquilino tão inculto, tão rancoroso e tão bota de elástico.
Politicamente falando – que questões como as do BPN ou casas de praia não são por ora para aqui chamadas – o primeiro mandato de V.Ex.ª ficou conspurcado pela inapagável maquinação das inventadas "escutas" à Presidência por parte do Governo. Por Vossa iniciativa – ou com a Vossa complacência, o que vai dar no mesmo – V.Ex.ª permitiu que um seu assessor, Fernando Lima, levasse até ao jornal Público essa reles, ignóbil e bombástica inventona, a qual, aliás, foi imediatamente desmentida e desmontada pelo Diário de Notícias com provas documentais incontestáveis.
Quando um Presidente da República se envolve, ou se deixa envolver, numa operação tão suja como a que foi montada contra o Primeiro Ministro – ainda por cima em período eleitoral – está a cometer o maior crime de lesa lealdade institucional que pode ocorrer entre órgãos de soberania. E está a descer às profundezas mais profundas da ignomínia torpe e da "vil baixeza".
Durante a campanha eleitoral V.Ex.ª foi confrontado – legítima e democraticamente, como acontece em qualquer democracia digna desse nome – com factos e situações da sua vida privada que envolveram negócios, dinheiros, casas de praia, etc. Solicitado a esclarecê-los V.Ex.ª optou pelo silêncio. E, pior ainda, pelo insulto da paranóia política.
É público e notório que, por mais voltas que se dêem a essas trapalhadas, todos os caminhos vão sempre dar ao BPN, aos seus amigos do BPN, aos seus ex-ministros e secretários de Estado do BPN. E o País fica sem saber se, afinal, foi V.Ex.ª quem os chamou, ou se são eles que o perseguem.
Mas, o que é incontestável é que o gangue de malfeitores do BPN que provocou nas finanças portuguesas o maior rombo da sua história (fala-se em 5 mil milhões de euros!), é constituído por pessoas que V.Ex.ª foi buscar aos "bas-fonds" do anonimato para as levar para os seus governos, para o Conselho de Estado e, até, para a Comissão de Honra da sua candidatura. Até hoje, embora já acusados pela Justiça, V.Ex.ª ainda não teve uma única palavra de condenação desses seus amigos. Porquê? É um mistério que o País gostaria de ver desvendado.
E, já agora, uma última pergunta: se esses seus ex-governantes fizeram o que fizeram no BPN, o que não terão feito em dez anos nos governos de V.Ex.ª?
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A tudo isto – ao longo de toda a campanha, e até nos seus lamentáveis discursos da noite das eleições – V.Ex.ª tem chamado de "campanhas sujas" e de "vil baixeza".
Uma vez que qualquer resposta minha mereceria sempre a sua suspeição, recorro às palavras do Bispo D. Januário Torgal Ferreira – numa entrevista à TSF, transcrita no Jornal de Notícias de 25 de Janeiro – sobre o comportamento de V.Ex.ª: – "Sejamos limpos. Tenhamos a língua também limpa, não só as mãos, na versão jurídica italiana, tenhamos também a consciência limpa e depois a língua limpa…" " … Eu, como cidadão, escutei o silêncio."(O Ribatejo)