“Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz”
(Manuel Alegre – 1965)
Não o diz o vento, mas dizem-no os jornais, as rádios, as televisões. Todos os dias. A todas as horas: “Vemos, ouvimos e lemos / não podemos ignorar” (Sophia de Mello Breyner).
Existe em Portugal outro País.
Mais pequeno, mais escondido, mais misterioso, mais privado, mais “in”.
E mais rico. Podre de rico.
A cada dia que passa – sem escândalo ou revolta – aumenta o fosso que separa a riqueza da pobreza. Cada vez mais largo. Tão largo e tão profundo que separa um Portugal do outro, o dos condomínios fechados para fora e dourados por dentro. Dois países que convivem lado a lado nas páginas dos jornais e nas imagens das televisões. Mas só aí.
Como é possível que, 35 anos passados sobre a generosa e justa revolução dos cravos de Abril, Portugal seja “isto”.
1.O Expresso da semana passada trazia uma notícia que seria banal no Dubai ou nos Emiratos do petróleo, mas que em Portugal – e ainda para mais neste momento – insulta e atenta contra a dignidade, e até contra a sobrevivência, de centenas de milhares de Portugueses. Porque – gritemos alto e bom som! – em Portugal existe fome, miséria, existe gente que não tem comida para dar aos filhos. Que raio de país é este?
Lembram-se do Estoril-Sol, aquele hotel da linha que tinha uma vista esplendorosa sobre o Tejo e a baía de Cascais, e que serviu de acolhimento a muitas celebridades mundiais do cinema e da política?
Pois esse hotel – propriedade da empresa dos Casinos de Stanley Ho – foi há anos demolido para sobre os seus escombros se erguer um edifício de 110 apartamentos.
Relata o Expresso que ainda as obras não acabaram e dos tais 110 já só restam sete para venda. Os mais baratos, os T-1, custam a módica quantia de 1,2 milhões de euros (240.000 contos). E, os mais caros, vão até aos 3,8 milhões (760.000 contos). O preço do metro quadrado de construção também é acessível: apenas 7.630 euros (1.256 contos)!
Quem são os donos destes apartamentos? Que património têm? O que fazem na vida? Que impostos pagam? Que rendimentos declaram?
2. Cada um desses apartamentos dá direito a uma garagem com quatro lugares para estacionamento. Que tal um Porche? Ou um Bentley? E, já agora, um Jaguar? E porque não um Ferrari para o filho mais novo e um Lamborghini para o mais velho?
Contam-nos os jornais e as televisões que a Jaguar e a Porche, no passado mês de Junho, aumentaram as suas vendas em mais de 100%.
Não é gralha, são mesmo cem por cento. Mas a Ferrari, a Aston Martin, ou a Maserati, não ficaram muito atrás.
O director de marketing da Porche dizia: “a marca está a vender muito bem, sobretudo na região norte”. Curioso: então não é excatamente a Norte que há mais falências de empresas e mais desemprego?
Quem são os donos destes carros? Que património têm? O que fazem na vida para além de acelerar? Quanto pagam de impostos? Que rendimentos declaram?
3.No âmbito das próximas eleições presidenciais acompanhei há dias Manuel Alegre numa reunião com os órgãos sociais do NERSANT. Gente que sabia do que falava e das dificuldades que a maioria das empresas sofre. O que lá ouvi – mais do que queixas e lamentos – foi um retrato dramático e actual da maioria das empresas: dificuldades de acesso ao crédito e ao financiamento, carga fiscal elevadíssima, margens de lucro mínimas, prepotências do fisco, infinita morosidade da justiça, atrasos nos pagamentos do Estado às empresas.
Neste emaranhado de problemas e dificuldades os bancos ocupam o primeiro lugar na fila das responsabilidades: estrangulam os créditos à economia, mas continuam a apresentar lucros supermilionários; cobram juros altíssimos nos empréstimos, mas pagam pouco mais de zero às poupanças depositadas.
E, para além de tudo isto, o escândalo: enquanto qualquer vulgar empresa paga 25 % de IRC sobre os seus lucros, aos bancos é permitido que paguem apenas 4 %, isto é, seis vezes menos!!!
Como é possível que, dos 230 deputados do nosso parlamento, ainda não tenha ouvido um único a fazer esta simples pergunta: “Senhor Ministro das Finanças, porque é que o governo permite que no meio da borrasca que atravessamos, os bancos paguem de IRC seis vezes menos que qualquer outra empresa? ”
Eu, cá por mim, gostava muito de saber a resposta.
Ou será que, no outro País, alguém “cala a desgraça” e “nada nos diz”?