Por: José Niza
1.Pode tratar-se um cancro com aspirinas?
Poder, pode. Mas não deve. Não resulta.
As medidas que o governo decidiu tomar para combater a crise e reconduzir as finanças públicas e a economia portuguesa a uma situação de convalescença e tranquilidade são tímidas e insuficientes.
Por muito politicamente incorrecta que esta afirmação possa parecer para quem não goste de ouvir falar de desgraças, o que eu mais desejo é que ela seja errada. Mas temo que não.
A crise – como o sol – quando nasceu foi para todos. Leia-se, apenas, todos os países. Mas nem todos eles a enfrentaram da mesma maneira e com as mesmas soluções. Enquanto que os Gregos a esconderam até onde puderam, enganando meio mundo, os Irlandeses pegaram-na de caras e combateram-na com medidas drásticas logo desde o início.
Em Portugal – país de brandos costumes e de duvidosos milagres – o governo e as oposições não viram a evidência objectiva da realidade.
Para as oposições, a crise é toda “made in Portugal”, é nossa e só nossa. E só existiu por culpa e incompetência do governo.
Para o governo, a crise foi um azar de importação.
Nem uma coisa, nem outra.
O problema, ao que parece, é que ninguém fez contas, ninguém detectou nem dissecou a origem da situação, ninguém encarou e analisou a questão com a fria e lúcida objectividade que se impunha e exigia.
Porque, quando os números negros começaram a surgir, até deu a impressão de que os sintomas da doença constituíam apenas uma banal maleita passageira como os espirros de uma constipação.
E a triste constatação foi a de que o País, todo o País, não sabia – ou não queria saber – até que ponto estava endividado.
O Estado devia biliões ao estrangeiro.
Os bancos deviam biliões ao estrangeiro.
Os Portugueses deviam biliões aos bancos.
Toda a gente devia a toda a gente.
Pouca gente pagava.
E o dinheiro não chegava.
E o problema com o qual hoje nos defrontamos em todo o seu dramatismo, é: Como pagar? Quando pagar? E com quê?
É nesta que estamos e ainda vamos estar por muito tempo. Paradoxalmente a solução é tão simples e tão difícil quanto isto: gastar menos, produzir mais e melhor, exportar mais, e ir pagando as dívidas.
Por quanto tempo? Who knows?
2.Quando no início escrevi que as medidas que o governo decretou são insuficientes e tímidas eu estava a querer dizer que um cancro, com metásteses espalhadas por tudo o que é sítio, não se trata com aspirinas ou mèzinhas. Às vezes – como é o caso – é preciso cortar largo e fundo.
Ao contrário do exagerado alarido que por aí anda, a verdade é que, feitas as contas, a subida de 1% no IVA não vai ser “sentida” como não o foi a descida, também de 1%, que Sócrates fez há tempos. Isto é, quase nada.
Também a subida do IRS em 1% ou 1.5% – conforme os rendimentos – não me parece que faça grande mossa, são só cócegas na algibeira. Porque, para um ordenado de, por exemplo 1.500 euros, o agravamento mensal vai ser de 15 euros, isto é, o custo de uma bica por dia. Será isto um enorme sacrifício? Ou será apenas uma questão de mais ou menos cafeína?
O valor das reduções dos vencimentos dos políticos e dos gestores públicos em 5% – para além do significado simbólico e pedagógico da medida, e da aplicação do salutar princípio de que “o exemplo deve vir de cima” – infelizmente quase não dará para mandar cantar um cego. O mesmo acontece com a obrigatoriedade de que, daqui para a frente, os políticos passem a viajar nos aviões em classe turística. Bom seria que estivesse aqui a solução, mas tudo isto são trocos.
E não adianta estarmos a iludirmo-nos com medidas com que eventualmente até possamos concordar, mas que de pouco vão servir.
É preciso ir mais longe e mais fundo. É preciso ter a coragem de enfrentar os senhores do dinheiro. É preciso ir buscá-lo onde ele verdadeiramente está a mais. É preciso que não sejam sempre os mesmos a pagar as crises. É preciso.
3.Ciclicamente, quando os sinos tocam a rebate, logo surgem as vozes populistas a exigir a redução do número de deputados, como se a política e a democracia se reduzissem apenas a números e a contabilidades.
É que o verdadeiro e mais grave problema da nossa democracia parlamentar não reside no número de deputados, não é uma questão de quantidade, mas sim de qualidade.
Se os partidos políticos – todos eles – garantirem que os deputados passarão a ser escolhidos pela sua inteligência, competência e disponibilidade total, e não apenas pela fidelidade cega e passiva do seu voto silencioso;
Se os partidos políticos – todos eles – levarem para o Parlamento deputados que verdadeiramente saibam fazer leis em vez de gritar inutilidades, e que olhem mais para o País do que para o espelho, então eu direi que mais valem 180 deputados bons do que 230 deputados maus.
Ganha-se qualidade e poupa-se dinheiro.