A preocupação com as gerações futuras
A preocupação com as gerações futuras é recorrente no debate político, sempre que um político precisa de fundamentar uma posição e não tem melhores argumentos invoca o interesse das gerações futuras. É o que tem feito Manuela Ferreira Leite em relação às grandes obras públicas, é o que fizeram muitos políticos no passado.
No caso das obras públicas Ferreira Leite já usou todos os argumentos possíveis, começou por dizer que não havia dinheiro, no congresso do PSD mudou de posição e defendeu que o dinheiro das grandes obras públicas deveria ser destinado aos pobres, mais tarde ainda ensaiou uma tentativa de partilhar as decisões em relação aos grandes investimentos (proposta que já tinha sido feita por Luís Filipe Menezes), por fim, Cavaco Silva atira o argumento do endividamento e agora surge o medo do papão espanhol.
Afinal, Manuela Ferreira Leite já não está preocupada com as gerações futuras, como não gosta de espanhóis, a não ser os do Santander que lhe pagavam mais de dois mil contos por mês (aparentemente para não fazer nada num cargo de administradora executiva) descobriu uma forma de lhes dar uma picada, não fazemos o TGV até Elvas e eles ficam tramados, perdem uns trocos em ajudas comunitárias. No tempo de Franco as infra-estruturas rodoviárias espanholas terminavam a umas dezenas de quilómetros da fronteira, cinquenta anos depois Manuela Ferreira Leite opõe-se à integração europeia recorrendo ao mesmo estratagema, mas esquece que a Espanha é o mercado mais próximo para as pequenas e médias empresas de que tanto fala, que os espanhóis são os que mais nos visitam e que, quer queira quer não, a Espanha estará sempre entre nós e o resto da Europa.
Também Salazar optou pela desconfiança em relação a Espanha, era ainda mais coerente do que Manuela Ferreira Leite já que mesmo com um ditador amigo do outro lado da fronteira mantinha a distância a alimentava o nacionalismo da padaria de Aljubarrota. A líder do PSD, pelo contrário, só é nacionalista quando o argumento lhe é útil, quando era ministra e a Espanha era governada pela direita foi subserviente e cedeu a todos os pedidos de Aznar, desde o TGV à guerra no Iraque, mesmo quando a Espanha passou a ser governada por Zapatero ficou calada no seu gabinete do banco espanhol. Foram muito mais prejudiciais para o país as intimidades entre o PSD e o PP a propósito da guerra do Iraque do que a participação de Sócrates em comícios com o PSOE.
Não é só à questão do nacionalismo e do salazarismo que esta abordagem de Ferreira Leite nos conduz a outros tempos, também na questão da preocupação com as futuras gerações Manuela Ferreira Leite lembra a concepção de Salazar, aliás, sucede o mesmo com a proposta de fazer estradinhas municipais recentemente feita por Cavaco Silva.
Também Salazar tinha uma grande preocupação em dever pouco ao estrangeiro, preferindo exibir as vastas reservas do Banco de Portugal, por isso o país herdou algum ouro e uma total carência em infra-estruturas em domínios como as estradas e telecomunicações. O povo português pagou uma pesada factura ao ter que investir na recuperação deste atraso em vez de apostar na competitividade da nossa economia.
É verdade que a construção de grandes obras públicas implica o aumento do endividamento e que este reduz o acesso ao crédito por parte da economia na sua globalidade e não apenas na perspectiva das empresas como refere Ferreira Leite que esquece que uma boa parte do crédito se destina ao consumo. Na perspectiva das futuras gerações a questão que se coloca é saber se preferem o país pobre em infra-estruturas ou receber um país moderno ainda que tenham de assumir a correspondente parte dos custos dos investimentos, se preferem estar em condições de investir na competitividade das empresas ou concentrar os investimentos no que as gerações anteriores não fizeram, porque preferiram amealhar ou usar a disponibilidade do crédito no consumo.
Afirmar que não fazendo investimentos o acesso ao crédito às empresas é facilitado pode ser uma mentira pois uma boa parte da capacidade de endividamento do país tem sido usada na expansão do consumo, principalmente de bens importados. Quando usa este argumento Ferreira Leite está preocupada com as PME e as futuras gerações ou está a defender os interesses de meia dúzia de grandes empresas? Para a banca é indiferente o destino do crédito, ganha muito mais com os juros que pratica no crédito ao consumo do que com o crédito às PME, é por isso que quando faltou o dinheiro para financiar as empresa esse mesmo dinheiro nunca faltou nos cartões de crédito. Grandes empresas do sector da distribuição, como, por exemplo, a SONAE ou a Jerónimo Martins (dois defensores de Manuela Ferreira Leite) terão mais possibilidade de expansão se a capacidade de endividamento do país for absorvida pelo consumo.
Estará mesmo Manuela Ferreira Leite preocupada com as futuras gerações? “ in [O Jumento]
“