03 outubro, 2011

MADEIRA - um off-shore político

 Tolentino de Nóbrega, O arquipélago é um off-shore político:
    'O governo regional da Madeira é presidido desde 1978 por Alberto João Jardim, que goza de um estatuto excepcional na política portuguesa, em termos de imunidade, limitação de mandatos e acumulação de pensão de reforma com vencimento do cargo. Mas o sistema político regional tem também a particularidade de não impor aos titulares de cargos públicos, incluindo governantes e deputados, o regime jurídico de impedimentos e incompatibilidades vigente no resto do país. Ao assumir esta excepção, Jardim tem garantida a fidelidade de um conjunto de deputados que, como advogados ou empresários, prestam serviços ou fazem negócios com o seu governo, sem estarem sujeitos a qualquer comissão de ética ou registo de interesses. Isto permite, por exemplo, que Jaime Ramos, presidente dos Industriais da Construção Civil, aprove contratos de concessões rodoviárias, alterações ao regime de contratação pública e planos de investimentos; que Miguel de Sousa, administrador da Empresa de Cervejas, aprecie a concessão e prorrogação do casino ao grupo Pestana, que detém a referida cervejeira; que Rui Moisés, presidente das Casas do Povo, vote contra auditorias a irregularidades em tais entidades; ou que Guilherme Silva, vice-presidente da Assembleia da República, seja jurisconsulto avençado de órgãos regionais que favorece nas discussões de diplomas em São Bento; ou ainda que Coito Pita e Tranquada Gomes sejam, como advogados, defensores do governo que, por mandato, devem fiscalizar. O presidente da Assembleia da Madeira mantém, há 14 anos, na gaveta um projecto de lei de incompatibilidades e de impedimentos encomendado ao constitucionalista Jorge Miranda e que, a ser aplicado, afastaria do exercício de funções a maioria dos actuais titulares de cargos públicos e dos deputados sociais-democratas regionais. PS, PCP e BE apresentaram iniciativas para pôr termo ao off-shore político em que tem vivido a região, mas o PSD tem chumbado tais diplomas alegando que constitucionalmente está estabelecido que "o estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio" da região é definido no respectivo estatuto político-administrativo que recusa rever. Se estivesse em vigor o primeiro projecto de Jorge Miranda, o sistema madeirense seria eliminado e a maioria dos deputados - cujo estatuto vigente não prevê quaisquer incompatibilidades, embora usufruam de remuneração e regalias idênticas aos deputados da Assembleia da República - ficaria arredada do hemiciclo da Avenida do Mar. E não poderiam continuar a aprovar orçamentos e decretos regionais que alegadamente os beneficiam em obras públicas, concessões e contratos.' In "Camara Corporativa"

1 comentário:

Sérgio O. Sá disse...

Isto é inconcebível! Afinal, em que democracia vivemos?
João Jardim foi eleito e reeleito pelo povo madeirense. Não parece legítimo atribuir culpas a esse povo, pensa-se e afirma-se repetidamente, deixando assim a ideia de que a gente madeirense não passa de gentinha acrítica, inocente, ignorante, incapaz de saber quem é e se é alguma coisa.
Mas depois das crateras financeiras recentemente descobertas naquelas ilhas, se Jardim subir ao trono uma vez mais, levado pelos votos dos madeirenses, obviamente, esgotar-se-á a pachorra de qualquer cidadão atento para os desculpar. A eles terão de ser imputadas as culpas por serem e terem sido (des)governados por um ser fúngico que contribuiu, aliás a exemplo dos governos de Lisboa, para a situação em que Portugal se encontra.
Mas não está isento de culpa quem, no Continente, em tempos idos, transformara os direitos da democracia em Portugal no direito consentâneo com os ditames das ditaduras, aplicável em certas parcelas da República.
Como não é honroso para os actuais governantes, a surdez, a cegueira e sobretudo a mudez com que encaram os factos.