Senhor Primeiro Ministro
Sabe todo o País que V.Exa não descansará um segundo enquanto existir em Portugal uma única empresa pública. E sabe também que a palavra de ordem é privatizar. Privatizar! Rapidamente e em força. E a qualquer preço. Melhor dito, a um "preço para amigos", como soe dizer-se.
Acontece que eu, ao longo da vida, fui pondo de lado uns tostões debaixo do colchão. E que, embora não seja um velho-rico, cogito que tenho cabedais bastantes para entrar – sem me afogar – na onda das privatizações que aí vem, como um tsunami. Aliás, já me chateia que sejam sempre os mesmos usurários a comprar tudo o que mexe. E por isso estou preparado para me confrontar com os Mellos, os Espíritos Santos, os Belmiros, a filha do grande democrata Presidente de Angola, o Amorim das cortiças – sempre à tona – e também a GALP – sempre no gamanço – ou com quem mais se atravessar nos meus desígnios.
Passo então aos finalmentes. E eternamente grato lhe ficaria se Vossa Mercê tomasse nota de que eu me candidato à compra dos bens públicos adiante arrolados:
Em primeiro lugar, o Mosteiro dos Jerónimos.
Acha V. Exa estranho? Mas não é. Eu explico.
Patrioticamente o faço para impedir que aquele velho rabujento, bota de elástico, reaccionário – mas grande filantropo – o multimilionário sr. Soares dos Santos, dono dos Pingos Doces, adquira à sucapa o histórico monumento para nele erigir um supermercado manuelino e lhe mude o nome para Mosteiro dos Jerónimos Martins.
Outro bem público que ensejo adquirir é a batalha de Aljubarrota e a respectiva padeira. Isto para evitar que apareça por aí um castelhano qualquer com meia dúzia de pesetas, e leve a batalha e a padeira para Espanha, e a obrigue a confessar que, afinal, quem ganhou a bélica escaramuça foram os "nuestros hermanos" da "vizinha Espanha".
Para resolver uma contenda antiga que me anda atravessada na carteira, informo V.Exa de que é minha intenção comprar também o tribunal de Santarém. E se Vossa Mercê entender conveniente, pagarei desde já o sinal, para que as finanças possam entregar à arraia miúda a metade que ainda lhe resta de subsídio de Natal.
Porquê um tribunal, perguntará a pertinente pertinência de V.Exa?
Em primeiro lugar não é "um" tribunal, mas "o" tribunal, o de Santarém.
Em segundo e penúltimo lugar, a minha obsessão em comprar a "domus justitie" do Jardim da Liberdade do Moita impõe-se porque tenho lá uma acção contra a Brisa das autoestradas vai para cinco anos, um carro destruído, mais de 2500 euros de honorários, taxas e alcavalas e, até hoje, nothing, rien du tout: a Brisa a rir-se e eu a passar cheques. Aliás com cobertura, o que vai sendo raro.
Não obstante, pode V.Exa ficar tranquilo que eu só pretendo comprar o edifício. É que, apesar de os meus amigos António Barreto e Marinho Pinto, andarem por aí a apregoar que há juízes que se vendem – ou alguém que os compra, o que vai dar no mesmo – eu não acredito. Aliás, se porventura isso fosse verdade – e como mal me chega o magro pecúlio para pagar o tribunal – quanto não me custaria comprar um juiz?
Como é público e notório que V.Exa vai vender a RTP às postas – como o cherne nas peixarias – e a preços de saldo, respeitosamente lhe transmito a minha intenção de arrolar a RTP Memória.
V.Exa, se calhar, até ensejava que o que eu queria era o 1º Canal. Pois enganou-se. Aliás é uma coisa que acontece a todos, sobretudo aos Primeiros Ministros. A verdade é que o que eu quero mesmo é o canal Memória: Vossa Senhoria nem imagina o que existe no arquivo deste canal!
Está o amigo a ver aquelas imagens do Cavaco a dizer para as câmaras que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas?! E aquelas do badagaio que lhe deu na posse do Guterres?! E outras, em S. Tomé e Príncipe, a subir aos coqueiros como um macaco?! E voracidade bulímica com que devorou um grande naco de bolo-rei?! E a multidão de ministros e secretários de Estado – Administração Interna, Saúde, Justiça, Finanças – que o homem levou para o Governo os quais, mal saíram, foram direitinhos ao BPN e lá deixaram uma cratera de 5 mil milhões e que, como a Brisa no tribunal de Santarém, nunca mais são julgados. E, já agora, está Vossa Senhoria a ver-se na televisão, durante a campanha eleitoral, a jurar que não subia os impostos, nem tocava no subsídio de Natal?!
O que eu vou divertir os Portugueses com estas e outras histórias da RTP Memória. 24 horas por dia, que o arquivo é inesgotável.
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