02 maio, 2012

Mario Soares - a Europa está a mudar

1. A semana passada trouxe-nos fortes sinais de que a Europa está a mudar. Os europeus, dos vários Estados, perceberam, finalmente, que as políticas de austeridade, para agradar aos mercados usurários, não nos conduzem a nada de bom. Levam os Estados europeus e a Europa da zona euro à desagregação e à decadência. A chanceler Merkel sentiu, finalmente, que os seus parceiros europeus não só não querem obedecer-lhe - como sucede desde há cerca de três anos - e, pelo contrário, começam a conspirar contra a sua política, procurando reduzir a recessão, que paralisa a economia real, em favor da virtual, e aumenta, por forma socialmente inaceitável, o desemprego.
Já não são só a Grécia, a Irlanda e Portugal as vítimas dos mercados e das perigosas agências de avaliação. Também o são países grandes como a Espanha e a Itália, e outros pequenos mas ricos, como a Holanda, cujo Governo caiu, e a Roménia, cujo Governo foi deposto e substituído por um novo primeiro-ministro socialista. E outros, que começam a estar em dificuldades, como a Eslováquia, a Eslovénia, a República Checa e a própria Finlândia. Com um panorama tão sombrio e num tal contexto, a chanceler Merkel, com problemas internos que se estão a agravar e uma Oposição a crescer - tanto a Social Democracia como os Verdes - parece óbvio que vai ter de mudar de política: em vez da austeridade usurária, que até agora considerou bem-vinda nos outros Estados - não na Alemanha - terá de aceitar a luta contra a recessão e, igualmente, contra o desemprego.
A "conspiração" dos Estados acima referidos iniciou-se numa reunião de socialistas, sociais-democratas e democratas progressistas, que teve lugar em Roma e como referência a próxima vitória (mais do que provável) de François Hollande em França que, apesar dos desvarios de Sarkozy, continua um país chave, em termos europeus.
Entretanto, o Reino Unido entrou também em recessão, muito perigosa por sinal. E os Estados Unidos, pela voz de Ben Bernanke, presidente do banco central americano, manifestaram-se muito inquietos - e percebe-se bem porquê - pelos perigos do contágio da recessão agora vinda da Europa.
São as tristes ironias desta globalização desregulada, da ideologia neo-liberal e da crise global, que se desencadeou na América do Norte, contagiou a União Europeia e, em menor escala Estados de vários continentes e agora os americanos têm medo que volte a atacar os Estados Unidos. Como diz o Povo, quem semeia ventos colhe tempestades...
2. França vai a votos E, naturalmente, a Europa está inquieta. Porque a França foi um dos países fundadores do projeto europeu, para não dizer o principal, e, não obstante estar hoje em crise, financeira, económica, política e social, continua a contar muito - como uma referência política e histórica - em termos europeus.
Curiosamente, as eleições presidenciais - e a França é um Estado semi-presidencial - terão lugar em 6 de maio, o mesmo dia em que a Grécia terá também eleições legislativas, por sinal dificílimas.
Depois da primeira volta - e da vitória de François Hollande sobre Nicolas Sarkozy - por escassa margem, mudou bastante a psicologia dos europeus. Não pelo contraste das figuras dos dois candidatos rivais na segunda volta - que é abissal - mas pela votação inesperada que tiveram Marine Le Pen, da Frente Nacional, e Jean-Luc Mélenchon, da Frente de Esquerda. Porquê? Porque Marine Le Pen teve um excelente e não previsto resultado, cujos votos, embora da extrema-direita, não se espera que vão favorecer Sarkozy; enquanto que os votos da Esquerda que teve Mélenchon vão, na segunda volta, passar-se na quase totalidade para Hollande.
Além disso, François Hollande teve o discernimento político - que Sarkozy nunca compreendeu - de que todos os Estados da zona euro dependem do futuro da União, a qual deve mudar. Como ele disse com toda a clareza, para que o projecto europeu não se desagregue e entre em irremediável decadência. Por isso resolveu, com inesperada audácia, contribuir para mudar a União Europeia e a ajudar a sair da crise.
Sarkozy, durante todo o seu mandato, tem sido um bailarino político, sem princípios nem valores. Defende tudo e o seu contrário, tanto em política interna como externa. E aceitou ser uma espécie de lacaio de Angela Merkel. A maioria dos franceses passaram, como é óbvio, a não o suportar e votaram anti-Sarkozy, antes de qualquer outra escolha. Por isso, há uma grande probabilidade de não ter um segundo mandato. Daí a posição inequívoca de Marine Le Pen, quando, na primeira fase das eleições presidenciais, lembrou que proximamente haverá eleições legislativas, que para o futuro da Frente Nacional - e dela própria, Madame Le Pen - são decisivas. Sarkozy que lhe quis "comer" o eleitorado - tornou-se mais à Direita do que a própria Senhora Le Pen. E, assim, não pode permitir-se que, especialmente neste momento, o eleitorado da Frente Nacional se passe para Sakozy. O qual Sarkozy, para de algum modo o conseguir, fez tais piruetas, que deve ter perdido também uma parte do eleitorado do centro.
O escritor e politicólogo francês Bernard-Henri Lévy publicou um grande artigo no El País em que expressa o seu temor por Marine Le Pen poder vir a ser, no futuro, o árbitro do jogo político francês. Penso que não será assim, embora ela o deseje. O fenómeno da Direita extrema que representa sempre foi e é circunstancial. E a vitória de François Hollande vai varrer todas essas preocupações. Vai ajudar a mudar de paradigma, para acabar com a crise. O que cria um clima novo na França e na Europa. Assim o espero.
3. E Portugal? Os portugueses estão muito descontentes e temerosos. O caso não é para menos. Com a troika a comandar - em nome dos mercados - grande parte dos portugueses, os trabalhadores e parte da classe média perderam os seus empregos e estão a passar muito mal, alguns com fome. Os suicídios cresceram, bem como a criminalidade. Portugal, com uma história tão gloriosa e sendo o mais velho país da Europa, com as mesmas fronteiras, tornou-se numa espécie de protetorado. O que não pode agradar a nenhum patriota que se preze. Dizem-nos, os neoliberais, que se trata de uma inevitabilidade. Ora em política não há inevitabilidades. Há boas e más políticas: tudo depende da vontade e da inteligência dos eleitores, nas democracias, claro. Mas as conjunturas mudam, quando as pessoas assim querem.
A austeridade, como se está a reconhecer agora em toda a zona euro - mesmo no Reino Unido -, não nos leva a lado nenhum. A não ser, para os que a sofrem, cada vez a pior. As próprias instituições europeias começam a reconhecê-lo. O presidente europeu, Van Rompuy, convocou uma cimeira - pela primeira vez - para lutar contra a recessão e o desemprego, sem o que, com ou sem austeridade, entraremos em irremediável decadência. No mesmo sentido o americano Spencer Oliver, secretário-geral da Assembleia Parlamentar da Organização de Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), de visita ao Algarve, deu uma larga entrevista ao jornal Barlavento em que afirmou: "a crise financeira foi provocada pela ganância de Wall Street". E que para a vencer é preciso, como demonstrou o Presidente Obama, de que é correligionário, lutar contra a recessão, o desemprego e em favor do Estado Social. Cito-o de novo: "As críticas devem ser apontadas aos sistemas financeiros, aos resgates e aos estímulos que canalizaram avultadas somas para salvar muitos banqueiros, que foram os primeiros responsáveis pela actual situação."
O Governo português é democraticamente legítimo porque resultou do voto popular. Nesse sentido, deve ser respeitado. Mas não está isento de críticas. Pelo contrário. Dado que os seus dirigentes, na sua maioria, são convictos neoliberais, só vêem a austeridade, ignorando - o que pode vir a ser trágico - a recessão, o inaceitável desemprego, sempre a crescer, e o desespero em que se encontra a maioria dos portugueses. O Governo que se acautele porque, como disse acima, está a remar contra a corrente europeia. Além disso, está paralisado, não explica ao Povo as medidas que toma nem as privatizações que pretende fazer e, por isso, está cada vez mais isolado...
4. Parabéns Diário de Notícias. Apesar de colaborador do DN, procuro ser imparcial. No entanto, o DN de domingo passado lançou um dossier completíssimo intitulado "Fraude no Banco Português de Negócios", com 19 páginas, que merece ser lido e estudado. Segundo o DN, a fraude pode custar 8,3 mil milhões de euros. O diretor, João Marcelino, escreveu um corajoso editorial que intitulou "A promiscuidade e, claro, o roubo".
Diz mais: "Que se trata de facultar aos leitores o máximo de informação possível sobre o caso, para que todos possam formar a sua opinião." E acrescenta: "Para isso recorremos a inúmeras conversas, à consulta de milhares de documentos, num trabalho que levou meses a ser executado." E a terminar: "O verdadeiramente fundamental é que, em qualquer circunstância, se apure no plano judicial tudo aquilo que houver para apurar." Não é tolerável, com efeito, que na sociedade portuguesa continue a fazer caminho a perigosa ideia de que a Justiça é cega e incapaz de agir perante os poderosos.
É aqui que está o busílis. A criação do BPN começou em 1983, a Sociedade Lusa de Negócios, em 1988. Em 2007 o Banco de Portugal pediu ao Grupo SLN/BPN que clarificasse a sua estrutura e procedesse à separação das duas instituições. Aí começaram as dificuldades. Em 2008 Miguel Cadilhe foi eleito presidente do Grupo. E numa entrevista que deu ao mesmo Diário de Notícias de domingo passado, diz, com a sua autoridade - cito - "O que se passou no BPN é a maior, a mais continuada e ostensiva fraude na banca portuguesa." E, no entanto, a Justiça parece estar cega e silenciosa perante as personalidades que são referidas como responsáveis dos abusos e também praticadas pelo BPN. Algumas delas, como se escreve no referido DN, na mais alta esfera do Estado, como o actual Presidente da República.
Ora a Justiça não pode manter o silêncio sobre tais acusações. Porque se o fizer está a dar um golpe fatal no pouco ou nenhum prestígio que a Justiça ainda possa ter. O que é gravíssimo para o nosso Estado de Direito e para a nossa Democracia. Sobretudo no período de emergência que temos tido e com os golpes profundos nas pensões e nos empregos dos nossos trabalhadores e da classe média... O Ministério da Justiça tem o dever de atuar. ( DN)

Sem comentários:

Enviar um comentário