Nicolau Santos explica o que Durão Barroso pretende.
“Durão Barroso regressou ontem à política portuguesa, aproveitando o lançamento do livro de Miguel Relvas e Paulo Júlio. Aproveitou para branquear a imagem da troika e a visão contabilística dos problemas europeus que predominam na Eurolândia e no FMI. Elogiou os homens dos aparelhos partidários, dando como exemplo Miguel Relvas. E finalmente pôs nos píncaros o primeiro-ministro: sem Passos Coelho, Portugal teria sido outra Grécia.
Não se pode dizer que Durão Barroso seja um mestre do disfarce. O que de repente descobriu é que esta crise grega não só pode levar a coligação PSD/CDS a ganhar as próximas eleições legislativas, como sobretudo ele próprio passou a ter de novo possibilidades de ser o candidato da maioria à Presidência da República. Para isso, precisa em primeiro lugar que Passos Coelho leve o PSD a apoiá-lo na corrida a Belém. E, se tal acontecer, precisa de alguém que domine o aparelho do PSD. E essa pessoa é Miguel Relvas. Daí a sua presença no lançamento do livro do ex-ministro, daí o rasgado elogio a Relvas.
O que isto prova é, em primeiro lugar, que Durão Barroso pensa que os portugueses não têm memória. E em segundo que, tendo alguma, conseguem ver o que se passou nos últimos quatro anos segundo a sua ótica.
Barroso ou vai para Belém ou ficará por aí a dar aulas e conferências, por cá e lá fora, não ascendendo a mais nenhum cargo político de relevo. O mundo é muito injusto
Será bom que Barroso seja o eleito de Passos para Belém. Isso permitirá fazer um balanço dos longos anos que Barroso esteve à frente da Comissão Europeia. Permitirá, por exemplo, constatar que foi com Durão Barroso que a Comissão Europeia perdeu o seu papel de fiel da balança na construção da União Europeia e entrou num claro declínio no quadro das suas instituições. Foi com ele que Bruxelas deixou de ser quem dava a mão aos países mais pequenos. Foi com ele que a Comissão Europeia passou a ser totalmente subserviente das teses alemãs. Foi com ele que Bruxelas assistiu impávida ao eclodir da crise grega, demorando muitíssimo tempo a reagir – e só o fazendo depois de Berlim ter decidido atuar. Foi com ele que se anunciou que a crise de 2008 não contaminaria a Europa. Quando isso aconteceu, foi com ele que se decidiu que os Estados deveriam meter dinheiro em força na economia, em Parcerias Público-Privadas e em investimentos de proximidade (recuperação de escolas, aposta nas energias renováveis). Foi com ele que, dois anos depois, as orientações de Bruxelas mudaram radicalmente, passando a redução do défice a ser o alfa e omega da cartilha de Bruxelas. E quando vários países disseram que tinham feito o que o presidente tinha dito e escrito, Durão Barroso veio candidamente dizer que meter dinheiro na economia era só para quem podia – o que é extraordinário, porque quem podia era quem menos precisava ou não precisava de todo… Foi Durão Barroso que não apoiou a criação de uma agência europeia de rating, para combater a ditadura das quatro grandes, que agravaram em muito a crise europeia, embora durante longos meses tivesse estado em cima da mesa um projeto da Roland Berger. Foi Durão Barroso (por decisão de Angela Merkel, claro) que deu o seu aval ao famoso PEC IV de José Sócrates – e ficou irritado quando Passos Coelho chumbou o documento na Assembleia da República e lançou o país em eleições, de onde saiu um novo ciclo político.
Muito mais factos haverá seguramente para recordar se Barroso vier a candidatar-se a Belém – o que se prepara para fazer, aliás, porque apesar de ter brilhado tanto à frente da Comissão Europeia, ninguém o convidou para mais nenhum cargo internacional.
Por isso, Barroso ou vai para Belém ou ficará por aí a dar aulas e conferências, por cá e lá fora, não ascendendo a mais nenhum cargo político de relevo. O mundo é muito injusto. Por isso, Barroso reentra na corrida a Belém a cavalo da Grécia. Mas sem a subtileza, o engenho e a arte do cavalo de Tróia.”