Se os políticos são todos iguais, entre os iguais, há alguns que são mesmo diferentes
"Houve um tempo em que um Governo enviar pareceres de juristas ao Tribunal
Constitucional era, para o PSD, "uma violenta e desproporcionada pressão". Houve
um tempo em que deputados sociais-democratas viam, mesmo em opiniões
encomendadas a juristas como Lobo Xavier e Saldanha Sanches, inaceitáveis
manobras para condicionar o TC - dizia-o, imagine-se quem?, Miguel Relvas, em
dezembro de 2006, a propósito do pedido de fiscalização da constitucionali- dade
da Lei das Finanças Locais e de cinco pareceres enviados pelo Governo socialista
ao palácio Ratton.
Ah, mudam-se os tempos. E mudam-se de tal modo que seis anos depois tivemos
um Orçamento do Estado inconstitucional "de papel passado" e um Governo a achar
normal mantê-lo e a seguir reforçar a dose, como quem vê que é mole e portanto
carrega. Ou seja: o TC deu - por via da bizarra suspensão do efeito da
declaração de inconstitucionalidade quanto ao corte dos subsídios a funcionários
públicos e pensionistas, na prática uma suspensão da Constituição - aquilo que
se chama "uma abébia" a Passos e Gaspar, e eles, em vez de agradecer e pedir
desculpa pelo erro, agiram como se fosse uma licença para infringir a lei
fundamental, para a ignorar, para dela escarnecer - e do TC.
O escárnio chegou a tal ponto que uma deputada do PSD afirma que o TC "está
vinculado ao memorando" enquanto Passos exige "responsabilidade" aos juízes,
soprando aos jornais que se o TC chumbar o Orçamento se demite (que desgraça,
deus, como sobreviveremos?). Um PM que tomou medidas que toda a gente - a
começar pelo Presidente da República, que aliás o disse mesmo antes da
apresentação do OE 2012, para a seguir nada fazer - sabia que eram
inconstitucionais, e portanto violou com toda a consciência a lei fundamental,
esbulhando dois mil milhões de euros a centenas de milhares de cidadãos em nome
do desígnio sagrado do controlo do défice (que ficou SÓ dois pontos percentuais
acima do fixado), acha-se em condições de dar lições de responsabilidade. E logo
aos juízes da mais alta instância da nação.
Fá-lo, claro, porque não parece haver margem para que o TC não declare
inconstitucionais normas do OE 2013. Mas pode o TC de novo suspender a
Constituição, permitindo ao Governo, mais uma vez, safar-se, à gargalhada, com o
roubo? Ou, perante a ameaça da "crise política", declarar inconstitucionais
apenas uma ou outra das normas menos "dispendiosas", permitindo que outras
igualmente abusivas passem?
É certo que os juízes devem ser superiores a tudo, mesmo à justa fúria que as
afirmações do PM lhes causarão. Mas só há uma instituição por cujo regular
funcionamento lhes cabe zelar - a sua própria - , como garante último do
respeito pela lei fundamental (e pelo regime democrático, portanto). Serem
responsáveis é cumprirem o seu mandato - sobretudo quando os outros
irresponsável e vergonhosamente desrespeitam os deles. Façam o que têm a fazer.
Ou demitam-se."