Pedro Marques Lopes escreve:
1. Emídio Rangel foi condenado, na última segunda-feira, por dois crimes de
ofensa, por ter acusado juízes e magistrados do Ministério Público, pertencentes
aos respectivos sindicatos, de darem informações sob segredo de justiça a
jornalistas. A pena não foi leve, o antigo jornalista terá de pagar a cada uma
das associações sindicais 50 000 euros por danos não patrimoniais mais 6000
euros de multa.
Segundo a juíza, Rangel não terá apontado nenhum facto concreto que
consubstanciasse a acusação. É fácil de concluir que das duas, uma: ou a
magistrada anda muito distraída e não lê jornais, ouve rádios, nem vê televisão,
ou está convencida que as constantes fugas de informação sob segredo de justiça
se devem à excepcional capacidade de investigação dos jornalistas, a empregadas
de limpeza dos tribunais que são verdadeiras Mata-Haris ou a oficiais de justiça
malandros. Bom, a toda a gente menos a magistrados. Peças processuais em segredo
de justiça fazem primeiras páginas, gravações legais ou ilegais são transcritas
ou aparecem com as vozes e tudo, mas, claro está, nem uma dessas fugas é da
responsabilidade dos magistrados.
Não deixa de ser interessante que Emídio Rangel tenha sido tão severamente
punido, e que as inúmeras pessoas que têm denunciado a quase diária violação do
segredo de justiça, em muitos casos apontando directamente a responsabilidade
aos magistrados, não sejam também condenados ou sequer acusados. Pois é, a venda
que tapa os olhos à Justiça é capaz de ter uns furinhos...
Por outro lado, esperei ansiosamente as intervenções indignadas dos até há
pouco tempo defensores intransigentes da liberdade de expressão. Nem uma
palavrinha que fosse. Enfim, mais uma vez se prova que a liberdade é boa desde
que seja a nossa, já a dos outros é outra conversa.
Que não restem dúvidas: é normal que a juíza que proferiu a sentença esteja
preocupada com a honorabilidade dos magistrados. Estamos todos, aliás. Como
também estamos preocupados com a honorabilidade dos políticos, por exemplo. Não
me recordo, porém, de tão forte punição para aqueles que passam a vida a
acusá-los de todos os crimes do mundo. Recordo-me, assim de repente, de alguns
magistrados que fazem dessas acusações quase a sua ocupação principal.
É muito provável que a razão pela qual os políticos podem ser difamados e
injuriados todo o santo dia é não estarem organizados num sindicato como estão
os juízes e os magistrados do Ministério Público - se estes estão, porque não os
políticos? É que só pode ser essa a razão para as ofensas aos políticos passarem
em claro e aos magistrados não. Não passa pela cabeça de ninguém que um juiz
esteja mais preocupado com a honorabilidade da sua classe do que com a de
qualquer outra, sobretudo daquela a que cabe gerir os destinos do bem comum. Nem
pensar numa coisa dessas.
Feita a associação sindical dos políticos, esta encarregar-se-ia de defender
o bom nome da classe e, claro está, teria legitimidade para processar todos
aqueles que põem em causa a honra dos seus profissionais. O dito sindicato
poderia constituir brigadas especiais para investigar os possíveis criminosos:
uma para ver o que aparece escrito nos blogs, outra para andar pelos cafés,
outra para as caixas de comentários, outra para os jornais, rádios e televisões,
outra talvez só para ler os comunicados das associações sindicais de magistrados
e assim por diante. Obviamente que existiria a possibilidade de os tribunais
ficarem ainda mais atulhados de processos, mas todos têm direito à Justiça, não
é?
Como ninguém tem dúvidas que as acusações feitas a políticos são em muitos
casos mais graves do que aquela que Rangel fez a alguns magistrados, rapidamente
o sindicato dos políticos iria transformar-se na organização mais rica do País.
Mas, mesmo que a pena fosse a mesma que foi dada ao antigo jornalista já não era
nada mau. Já imaginou, caro leitor, 100 000 euros de cada vez que um político
fosse difamado?
2. Um primeiro-ministro que diz que o desemprego não tem de ser encarado como
negativo e pode ser "uma oportunidade para mudar de vida", numa altura em que é
praticamente impossível encontrar um emprego e em que nenhum banco empresta
dinheiro a quem quer que seja, está a brincar com as pessoas que passam por
dificuldades terríveis e demonstra, na melhor das hipóteses, um desconhecimento
total do que se passa no País que supostamente devia estar a governar. ( DN)