Eu, "idiota útil de Sócrates", me confesso: na semana passada, por ausência de discernimento, cometi o erro – de que me penitencio, desde já – de criticar a escolha de Fernando Nobre para a Presidência da Assembleia da República. Percebo, agora, que perdi o meu tempo com um pormenor de somenos que, tendo em conta a situação do país, devia ter merecido, no máximo, uma pequena nota de rodapé. Afinal, que importância tem o facto de o maior partido da oposição anunciar que, pela parte que lhe toca, a segunda figura do Estado deve ficar entregue a um candidato populista que prima pela incoerência e pelo ataque à classe política e ao sistema partidário? Aparentemente, nenhuma. O dr. Passos Coelho até podia convidar o Jel dos Homens da luta que ninguém lhe levaria a mal por isso.
Dentro desta lógica, também me devia ter abstido de comentar o famoso telefonema que, de repente, se transformou num misterioso encontro entre o primeiro-ministro e o líder da oposição, com sms à mistura e declarações do dr. Relvas ainda por explicar. E, por maioria de razão, também não devo pronunciar-me sobre as declarações do cabeça-de-lista do PSD, por Viana de Castelo, que, em boa altura, decidiu dar um raspanete ao seu eventual futuro parceiro de coligação, acusando o CDS e Paulo Portas, em particular, de se terem metido em negócios obscuros como a compra dos submarinos (já cá faltava!) e outras trapalhadas afins que tanto prejudicaram o último Governo do PSD. Generoso, Carlos Abreu Amorim até admite que Paulo Portas possa ter aprendido com os erros ("da pior maneira possível") mas, pelo sim, pelo não, vai avisando que, a partir de 5 de Junho, quem vai mandar no Governo – o tal que o dr. Passos Coelho já tem na sua cabeça – são os independentes como ele – o que augura, como se imagina, tempos particularmente auspiciosos.
Naturalmente, também não posso falar de sondagens que, vá-se lá saber porquê, dão o PSD a descer, depois de o eng. Sócrates ser obrigado a accionar o pedido de ajuda internacional. Em suma, não posso falar de nada que indicie que tenho uma opinião própria, independente das agendas partidárias, sobre seja o que for, nomeadamente sobre a forma como está a correr a campanha eleitoral. Porque, nos tempos que correm, a análise política é, cada vez mais, um prolongamento da luta partidária que dispensa o sentido crítico e privilegia o espírito de barricada. Mal por mal, antes "idiota útil".