A Justiça que temos e ao preço que ela está. Assim vai andando o Reino da Justiça. Todos os seus artífices são reis e senhores. O Zé paga, a Justiça faz que anda, mas não anda. Serve para muito, mas muitas vezes não serve para a sua finalidade – julgar.
Leia-se com atenção:
«Após 16 meses de prisão, a justiça portuguesa libertou Manuel Godinho, o principal dos 34 arguidos do megaprocesso "Face Oculta", acusado de 60 crimes, de corrupção, associação criminosa e tráfico de influências, entre outros. Não que tenha sido deduzida acusação. Não que tenha sido apurada inocência. Apenas porque se esgotou o prazo máximo da prisão preventiva sem que existisse da parte da investigação nesse período, recentemente reduzido, conclusões que pudessem dar continuidade ao processo que corre sobre o empresário da sucata com contactos ao mais alto nível.
A discussão pode, como muitos pretendem, centrar-se na "figura" da prisão preventiva ou nos prazos da mesma. Admito até que possa estudar-se a sua não aplicação na maioria dos casos, contemplando-a apenas para excepções em que haja risco de fuga ou destruição de provas, como é prática noutros países. Mas o grande problema, e é sobre esse que interessa de facto reflectir, está na investigação.
Na América, Bernard Madoff - responsável pela maior fraude financeira de sempre, em dinheiro e número de pessoas envolvidas - foi investigado, julgado e condenado em menos de um ano. Em Portugal, Godinho sai da prisão 16 meses depois do escândalo que abalou o País sem que o seu processo esteja concluído (quanto mais as dezenas de investigações paralelas que dele derivaram). No mesmo país, o nosso, uma mãe espera 13 anos (e após trabalho de três equipas de investigadores da PJ e duas do Ministério Público) para saber que ninguém sabe o que aconteceu ao seu filho, desaparecido quanto tinha 11 anos. Em Portugal, Godinho, numa táctica contrária à de Al Capone, é acusado um dia depois de ser libertado, de uma fraude de 14 milhões em facturas falsas. No nosso país, a justiça decide, 13 anos depois, acusar de rapto um único suspeito, não porque esteja em causa um crime de tráfico de seres humanos mas apenas porque transportou o menor no carro sem autorização para tal.
São demasiados erros. São contradições a mais. São muitas explicações que deviam ser dadas e ninguém dá.
Não vale a pena elencar o número de casos da justiça portuguesa que continuam por esclarecer durante anos e anos, tendo vitimado publicamente muitos inocentes e deixando escapar outros tantos culpados. Aceitam-se as justificações habituais: falta de meios, humanos e técnicos, e demasiada burocracia. O que não se pode aceitar é que nada mude, nem nenhum Governo tome decisões. Ou que tenhamos um responsável, como o procurador-geral da República, a sentir-se uma rainha de Inglaterra sem poderes e até se queixa de não conseguir fazer cumprir a lei.» [DN]