No actual momento laboral em que Portugal vive – e de que tanto se fala – surgem situações paradoxais, incompreensíveis e inacreditáveis. Num país com mais de 600 mil desempregados são histórias que nos deixam atónitos e perplexos.
Dois exemplos.
A Auto-Europa é uma das maiores empresas que existem em Portugal, é considerada uma organização modelo e tem um grande volume de exportações de automóveis. No epicentro do terramoto europeu e mundial que dá pelo nome de "crise" – e após alguns episódios de turbulência laboral – a empresa fez com os seus trabalhadores um acordo verdadeiramente imprevisível: – aumentos salariais de 4 %, garantia de não haver despedimentos, outras regalias e ainda, a somar a isto, uma gratificação no fim do ano!
Há dias houve uma greve geral. E os trabalhadores da Auto-Europa – que pouco tempo antes festejavam o acordo conseguido – baixaram os braços, paralisaram as linhas de montagem, e foram para a rua protestar com grande espectáculo mediático. É claro que, com um palco daqueles, nem Jerónimo de Sousa, nem Francisco Louçã, perderam a oportunidade de ficar na fotografia.
Disseram os operários da fábrica que a greve não era contra a Auto-Europa, mas contra o governo.
E pergunta-se: quem é que naquele dia ficou sem construir cinco mil automóveis? Foi o governo?
Outro caso.
Há dias, num telejornal, uma reportagem mostrava uma fábrica com excelente aspecto e as suas trabalhadoras impecavelmente vestidas com batas brancas. Julgo que era na Beira Alta e o negócio – que até está a correr bem – é a produção de cogumelos. Só que – dizia o jornalista – todas aquelas mulheres de branco vestidas não eram portuguesas … eram romenas!
Como é que num país, com mais de 600 mil desempregados, esta fábrica não conseguiu recrutar mão de obra em Portugal e teve de ir à Roménia pôr anúncios nos jornais para arranjar quem nela quisesse trabalhar?
Como é possível que hoje, no difícil e apertado Portugal em que vivemos, aconteçam coisas destas?
Será que neste rectângulo, à beira das falésias do destino, já não existem reservas de sanidade mental que nos permitam auto-governar-nos?
Será que este país – ou uma parte dele – ainda não percebeu que não é com greves e protestos, mas com trabalho e algum espírito de sacrifício, que conseguiremos olhar para o futuro com alguma esperança?
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Uma recolha de alimentos realizada há dias pelo Banco Alimentar contra a Fome bateu todos os recordes de Solidariedade: 1500 toneladas de comida!
Esta feliz notícia recorda-me 1975 e a total integração de centenas de milhar de "retornados" das colónias que chegaram a Portugal só com a roupinha que tinham no corpo.
Porque é que isto aconteceu? Porque a parte mais sã – e simultaneamente a mais espoliada e massacrada da sociedade portuguesa – conhece e pratica os valores da Solidariedade.
Em total contraste com estes exemplos de esperança, Portugal está a ser devorado pelos criminosos egoísmos de algumas das maiores empresas nacionais como a PT, a Portucel, a Jerónimo Martins (Pingo Doce) e mais algumas que aí virão.
A Portugal Telecom acabou de fazer o maior negócio do ano em toda a Europa: 7 mil milhões! Desta montanha de dinheiro nem um único cêntimo reverteu a favor do Estado. Mas, como se isto não bastasse, os dividendos deste negócio, a distribuir pelos accionistas, vão ser antecipados. Porquê? Porque se fossem distribuídos – como sempre aconteceu – no primeiro trimestre do próximo ano, iam pagar impostos.
Não sou adivinho. Mas, se esta coisa assim continuar, isto ainda vai acabar mal