Por Jose Niza
Pedro Poças Botelho e Miguel Ervas almoçavam num restaurante da linha de Cascais, mesmo em cima da praia.
Estava um esplendoroso dia de sol de Outono e o mar, preguiçoso, matizava-se em "dégradés" de azul. Ao longe, a todo o pano e de velas enfunadas, a Sagres entrava a barra do Tejo.
("Heróis do mar. Nobre Povo. Nação valente")
Enquanto as entradas não entravam, Pedro Poças Botelho e Miguel Ervas brindavam ao futuro com flûtes de Moet et Chandon.
***
Pedro Poças Botelho – Por este andar nunca mais chego a Primeiro Ministro…
Miguel Ervas – E eu? Quando virá o dia em que eu vou entrar em S.Bento como Ministro de Estado e da Presidência?
Pedro Poças Botelho – E quem é que te disse que ias ser Ministro de Estado e da Presidência?
Miguel Ervas – Ora essa! Então eu não sou o número dois?
Pedro Poças Botelho – E quem é que te disse que és o número dois?
Miguel Ervas – Alto e pára o baile que já não estou a gostar da conversa! Então eu que andei por aí a arrebanhar votos, a converter presidentes de câmaras, a pagar as quotas dos companheiros, a prometer lugares de deputados, a alugar camionetas, a pagar jantaradas do meu bolso, a prometer
tudo o que eram "tachos" em empresas públicas… e agora não sou o número dois? Então, se não sou o número dois, quem é que é o número dois?
Eu que andei quase à porrada com o Pacheco Pera Rocha! Eu que até fui corrido da Assembleia por tua causa! Eu que até andei à estalada com o Peco Santana Copos! Eu que até disse ao Marquês Mendes que crescesse e aparecesse! Eu que até chamei "velha e feia" à Emanuelle Ferreira Iogurte! Eu que até furei os pneus do carro do Martelo para ele não poder chegar à TVI! Eu que…
Pedro Poças Botelho – Ó Miguel, não te excites! Não te enraiveças, que te cai mal o almoço!
Miguel Ervas – Não me excito? Como não me excito?! Então eu, que ao princípio passava os dias nas televisões, e que cada vez que tu davas o dito por não dito eu é que dava a cara e dizia que aquilo que tu tinhas dito não era bem o que tu tinhas dito mas o que podias ter dito e não disseras, e aliás já toda a gente tinha entendido o que tu disseste que tinhas dito menos essa corja de venenosos jornalistas que por aí abunda.
Pedro Poças Botelho – Pois é! Mas queres que te diga? Queres mesmo saber? Pois então ouve: lembras-te das sondagens de aqui há uns meses? Lembras-te de andares sempre a dizer que aquilo estava no papo? E o Nogueira Iogurte, armado ao pingarelho a contar com o ovo no cu da galinha como se já fosse Ministro das Finanças? Bons tempos, companheiro, bons tempos…
Miguel Ervas – Essa é demais. E eu agora é que tenho a culpa?! Tu andas por aí a vender Constituições em segunda mão, a proclamares que és "neo-liberal" – que até parece o nome de um novo detergente – a dar beijinhos ao Alberto João, que eu bem os vi, e agora eu é que pago as favas!
Pedro Poças Botelho – Não pagas nada as favas, que isto são contas do Porto… mas vê lá é se, de uma vez por todas, metes isto na tua cabecinha: eu,
mesmo que tenha a culpa, não posso ter a culpa! Percebes? O número um nunca tem culpas porque, senão, não era o número um, o "special one", estás a entender? É por isso que há sempre um número dois que diz as coisas que o número um não pode dizer, mas que têm que ser ditas. Isto é como no futebol: alguém tem de defender os penalties!…
***
O robalo grelhado – daqueles mesmo do mar – estava divinal. O Barca Velha, em homenagem ao Tejo, escorreu bem pelas gargantas. E, depois da tarte laranja de laranja, aportaram à mesa os cafés e charutos havanos. Já no fim do ágape chegou um telefonema da Assembleia.
Era o Miguel Maiscedo a perguntar:
- "Ó Pedro, afinal, como é que vamos votar o Orçamento?"
E Poças Botelho respondeu:
- "Orçamento? Mas qual Orçamento?"
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